quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"E agora eu vivo dentro desta jaula"


Imagem extraída de www.curiosidadesdeana.com
A idéia para este texto surgiu dia desses quando, depois de esperar durante mais de 40 minutos por uma das linhas Butantã-USP, entrei em um ônibus da linha Butantã na Praça da Sé. Ônibus espaçoso, confortável, bem diferente dos que cobrem a região do bairro onde moro, na periferia da zona oeste. Outra diferença impossível de não ser notada: uma TV dentro do ônibus.

Primeiro me veio aquele incômodo que sempre tenho quando entro em um espaço público com TV - entenda-se espaço público aqui como um lugar que não é a sua casa, freqüentado por diferentes pessoas que não tem, necessariamente, relação entre si.

Nunca entrei em lanchonete, restaurante, boteco, consultório médico privado ou público, banco, cartório ou qualquer outro lugar em que houvesse uma TV ligada e o tal do aparelho não estivesse ligado na Rede Globo. Fico me perguntando quem elegeu essa rede de televisão como inquestionável preferência nacional e, já que ninguém vai mesmo perguntar aos que estão esperando ou freqüentando o lugar o que gostariam de assistir, não entendo o porquê de não passar a programação de outro canal.

Nem estou falando de canais como, por exemplo, a TV Cultura; acho muita ilusão da minha parte imaginar que seria possível adentrar um consultório médico ou dentário especializado no atendimento a crianças e, ao invés de ver a tão didático-pedagógica Xuxa na TV, notar que o programa passando na Telona é o clássico Castelo Rá-Tim-Bum. Não, realmente isso não deve fazer muito sentido por aí.

Pois é, mas mais do que não haver questionamento sobre outras possibilidades de programação para o infeliz paciente (ou freqüentador ou cliente) também não há, aparentemente, questionamento sobre o porquê de TVs nesses espaços.

Talvez porque a TV já esteja tão incorporada ao nosso cotidiano quanto o fato de que teremos mesmo que esperar muito pelo atendimento e, assim, o que fazer enquanto esperamos? Leitura não parece fazer parte do hábito da maioria dos que esperam. Além do mais, depois de muita espera a leitura começa a não ficar tão atrativa, o sujeito começa a olhar o relógio e pode querer começar também a reclamar e, mesmo que não o faça, fica aquele clima incômodo no ambiente. Mas todo esse incômodo fica menos susceptível de ocorrer de fato se houver por ali, assim como quem não quer nada, uma chamativa TV, com tela plana, tamanho considerável e programação que todo mundo gosta.

E eu imagino que todo mundo deve gostar mesmo porque, como eu disse, não há quase lugar que se freqüente hoje em dia em São Paulo que não tenha uma Telona instalada em cada canto do recinto.

Agora, que essa estratégia tenha sido adotada porque é mais fácil fixar uma TV - para abestalhar quem está esperando horas por atendimento - do que oferecer serviços que se prestem a respeitar a dignidade do indivíduo até eu, que sou mais boba, consigo perceber.

Contudo, como explicar que em locais em que você vai para comer, para se divertir, para encontrar pessoas, paquerar, beber, para conversar! - como explicar que em cada um desses lugares você certamente encontre um desses aparelhos ligados nessa programação de alta qualidade de entretenimento produzida pela Rede Globo?!

É possível que você me responda que estamos num espaço (e mundo) plural e que, como tal, num bar ou restaurante sempre haverá pessoas com interesses diferentes, que estarão lá não só para paquerar ou conversar, mas que preferirão comer consigo mesmas enquanto assistem a essa programação de qualidade oferecida pelo canal em questão e disponível na TV ligada no recinto.

Mas minha questão é compreender como chegamos a algo tão aparentemente instaurado e aceito, quase como algo natural, em espaços tão plurais.

Seria a falsa necessidade de informação o tempo todo? Seria a incorporação da TV ao nosso dia-a-dia de tal forma que tenhamos que tê-la ligada em todos os espaços que freqüentamos? Seria a necessidade de ensimesmamento em que vivemos, nesse processo em que somos e vivemos centrados em nós e que não nos permite muito mais olhar e observar o outro nem o nosso redor? O que explicaria esse fenômeno das TVs em tudo quanto é lugar por aí?

O que me espanta é que eu mesma fico pensando que talvez meus questionamentos não façam sentido, o que, desse ponto de vista, me dá uma dimensão da natureza da gravidade do exposto aqui.

Pois bem, no início do texto falei que comecei a pensar nesse assunto a partir de uma experiência em um ônibus dia desses. Na segunda parte deste texto, vou complementar minha reflexão com algumas pesquisas que fiz sobre o que é conhecido no mercado como serviço de mídia móvel no transporte público de São Paulo e oferecido basicamente pela empresa de mídia em ônibus TV Bus Mídia.

domingo, 19 de setembro de 2010

Ê, ê, Eymael...

Imagem extraída de www.juarezbatista.com

Consultório médico dia desses. Evidentemente, havia uma TV e estava ligada. Eu entrei pensando num outro texto que estou escrevendo sobre TVs em espaços públicos, quando percebi que era horário do programa eleitoral. Tenho que confessar que não venho acompanhando muito de perto as famigeradas campanhas individuais e partidárias; outro dia conversando com alguns amigos sobre isso fui questionada sobre como escolheria meus candidatos e ponderei que minhas escolhas estão vinculadas a uma avaliação que começou muito tempo antes da campanha e que me ajuda a entender candidatos e partidos desde há muitas eleições.

Bom, mas meu objetivo aqui não é discutir qual é o melhor candidato para esse ou aquele cargo, apenas partilhar com vocês algumas coisinhas que observei naquela meia-horinha de programa e que me fizeram pensar o quanto, definitivamente, campanha eleitoral é feita sob medida para agradar a um público pouco exigente, pouco observador e, sobretudo, pouco politizado.

Campanha para mostrar propostas ou projetos de gestão de fato ou sobre o que representa votar nesse ou naquele candidato enquanto construção de políticas públicas que retornem bem estar social e econômico aos cidadãos-eleitores, sendo muito otimista, o que não é meu forte, acho que fica talvez para a próxima.

Bem, então as tais coisinhas que notei com pouco espanto e certa tristeza:

1. Expressões que partem do princípio que a escolha de um candidato pode ser feita a partir da suposta confiança que um candidato conhecido em nível nacional teoricamente inspira:
  • Eu confio no Aloysio - Serra e Alckmin
  • Eu confio na Marta - Lula, para a Suplicy
  • O meu senador - Marina, para Ricardo Young

2.  Palavras-chave utilizadas por candidatos de diferentes partidos para impressionar/ convencer o eleitor:
  • ‘Oportunidade’ - utilizada por Netinho e Alckmin
  •  ‘Para todos’ ou ‘para todas as famílias’ - utilizadas por vários candidatos, dentre eles, Marta Suplicy, Alckmin e Ricardo Young

Protagonistas do fime Hair.
3. Expressões que parecem ressurgidas dos idos dos anos 60, quando o movimento hippie estava em alta, questionando a ordem social, moral e familiar vigente:

  • ‘Vamos defender os valores da família’ - Aloysio Nunes e sua suplente no senado, Marta, que não é a Suplicy

4. Frases de efeito:

  •  ‘Vamos investir com coragem na segurança pública’ - Senador do Maluf (nem vale a pena saber o nome)

 5. Termos bola da vez utilizados para impressionar eleitores específicos: 
  • ‘cidade justa e sustentável’ - termo ecologicamente correto utilizado por Ricardo Young

 6. Frases que parecem pressupor que o eleitor é imbecil:

  •  ‘Talvez você não se lembre dele no governo Alckmin. É porque ele estava trabalhando’ - sobre Aloysio Nunes

 7. Musiquinhas de campanha que ajudam o eleitor a associar o candidato à sua profissão original:
  • ‘Vai ficar legal, com Netinho no Senado vai ficar o maior astral’ - em ritmo de pagode
  • E também em ritmo de pagode ‘Eu quero ter, eu quero ter Netinho no Senado trabalhando por você’
  • ‘Netinho vai mudar a cara do Senado’, completa o Presidente Lula.

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A partir de algumas dessas expressões fiquei eu pensando se os eleitores tivessem a oportunidade de perguntar aos candidatos o que significa exatamente cada uma dessas palavras e expressões se eles saberiam responder e, principalmente, se já teriam em mente o que seria necessário, concretamente, para torná-las realidade.

Por exemplo, o que seria necessário para que São Paulo fosse uma ‘cidade justa e sustentável’? Só a sustentabilidade já implicaria, no meu entendimento, um montante incontável de ações; fico imaginando o que seria necessário para efetivar a justiça, conceito quase abstrato no mundo contemporâneo.

Para além das expressões mirabolantes, há expressões que soam, nas entrelinhas, excessivo conservadorismo que me arrepia. Por exemplo, quando se diz ‘vamos defender os valores da família’, fico imaginando de que valores e de que família estamos falando, afinal, na minha ingenuidade, pensava que tínhamos superado o modelo papai e mamãe casados no religioso com filhos nascidos no pós-casamento - ainda que feitos antes dele. Temo por pessoas como eu, solteira convicta com meus dois filhos, que talvez não sejamos considerados família para esse padrão de valores e, evidentemente, temo ainda mais por todos aqueles que amam parceiros/companheiros e parceiras/companheiras do mesmo sexo e que lutam por constituir suas famílias conquistando os mesmos direitos instituídos às famílias aceitas nesse padrão tradicional e conservador.
 
Imagem extraída de www.jabacomjerimumrn.blogspot.com
Outra expressão que me parece esconder a violência de forma sutil, tão ao gosto das classes médias conservadoras receosas de que sejam desnudadas em seu desgosto perante a pobreza e a marginalidade, é a tal ‘vamos investir com coragem na segurança pública’. Fico imaginando, não sem calafrios, o que seria investir com coragem? Talvez coragem para extirpar de vez uma parte dos chamados marginais, promovendo a sensação de falsa e cômoda segurança às classes médias e, ao mesmo tempo, mostrando quem está no comando, como à época do governo Fleury no Carandiru e da Candelária, no Rio.

Considerando qual setor da sociedade representa o mentor de tal frase esse tipo de ação não seria uma surpresa, afinal, sua campanha proclama o que seria de São Paulo sem a Imigrantes, sem o Túnel Airton Senna e mais um tanto de obras de grande porte, ou seja, educação, moradia, transporte público para quê?, se podemos garantir uma infra para a cidade enquanto uma São Paulo com alto fluxo de circulação de produtos e de pessoas?

O interessante é que não aparece nada nesse sentido durante a propaganda do sujeito (exceto Leve Leite e Cingapura, mas convenhamos, isso não é referência para projeto social decente...); entretanto, depois aparece como proposta de campanha que o sujeito vai fazer grandes projetos sociais. Novamente, fico imaginando se algum eleitor bem-intencionado tivesse oportunidade de perguntar quais se ele já teria algo em mente para responder.
Imagem extraída de www.ressacamoral.com

O fato é que talvez essas sejam mesmo coisinhas diante de tantas outras questões que estão na boca do povo e circulando pela internet sobre o que chamo de candidatos celebridades, sobre a candidatura de sujeitos corruptos e outras questões que me fazem pensar sobre quais seriam as razões que explicariam esse estado da política no Brasil.

Quando eu era criança lembro de, junto com meus amigos na escola, ficarmos cantando musiquinhas como a ‘Ei, ei, Eymael, um democrata cristão’, sem nunca termos nos questionado sobre o que seria um democrata cristão ou ainda ‘Juntos chegaremos lá, fé no Brasil, com AFIF juntos chegaremos lá’ sem também não nos perguntarmos o que representava ter fé no Brasil ou o que seria chegar lá. Hoje, vendo a campanha política atual e as dos últimos anos, tenho pensado duas coisas: 1) pelo menos a gente era criança e 2) a gente era feliz e não sabia.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

2010: O pós-greve e nós, os sedentos por transformação - Parte Final

Bom, ainda que a estrutura do texto completo esteja um tanto extensa e amealhada de subtextos, se você chegou até aqui, sugiro que tenha um pouco mais de paciência porque, mesmo sem o rigor acadêmico ou a “enxutez” tão conveniente aos escritos para a internet, talvez um pouco dessa prolixidade seja necessária para arredondar minimamente o que está sendo longamente exposto neste ensaio de reflexão.

Pois bem, estava eu dizendo que após a greve de 2007 eu tinha em mente não participar de outra greve.


Funcionários e estudantes em frente à reitoria da USP.
Contudo, neste ano tivemos greve novamente nas estaduais paulistas e a razão desta vez, a meu ver, era muito mais política que salarial. Não que a luta por salário não seja política, além de justa e necessária, mas do meu ponto de vista a discussão sobre a isonomia salarial entre docentes e funcionários ultrapassa a questão salarial em si: trata-se, sobretudo, de uma concepção de universidade, porque traz para o debate o reconhecimento de que o trabalho dos funcionários técnico-administrativos é tão importante para a universidade quanto o trabalho docente.


Nesse sentido, considero que a valorização, por igual, do trabalho de funcionários e docentes na forma de reajuste salarial foi conquistada em um momento em que, embora com naturezas distintas, tanto um quanto outro foram considerados importantes para a constituição da universidade.

Nesse contexto, lá fomos nós novamente, re-experienciar a sensação de coletivo capaz de transformar.


Mas o que me moveu a essa longa reflexão foi a reedição da vivência do que parece ser quase uma máxima que dá a tônica a todo movimento grevista: conquistas ficam sempre aquém das propostas mais profundas de transformação. Além disso, qualquer proposta que tenha como pressuposto a continuidade da discussão e o envolvimento dos sedentos por mudanças jamais sobreviveu organicamente ao movimento.


O fato é que, apesar de vivermos uma insatisfação cotidiana com a maior parte dos espaços dos quais fazemos parte e com as relações que interferem em nossa vida, ser um indivíduo ativo para a transformação do que nos incomoda é algo que parece não aprazer muito o sujeito contemporâneo médio.


O movimento grevista parece sacudir essa insatisfação – vivida diariamente, é importante que se diga, mas talvez adormecida no dia-a-dia muito mais acadêmico que questionador do mundo da universidade. De certa forma, não é difícil imaginar que o universo uspiano, apesar de pretensamente mobilizador e transformante, não favorece um cotidiano diferenciado politicamente daquele coberto das limitações vividas em qualquer outro espaço social.

A bem da verdade, ainda que nossa tradicional insatisfação seja sacudida durante o movimento grevista dando lugar a certo afã por mudanças drásticas e urgentes, esse desejo voraz logo perde sua força no pós-greve, à medida que vamos voltando a nossa rotina e ao nosso cotidiano tão ainda cheio de insatisfações mas, ao mesmo tempo, tão apropriado já as nossas necessidades diárias de indivíduos contemporâneos acomodados.


Funcionários votam em assembléia pelo fim da greve.
Foi assim que a greve terminou aqui na Faculdade de Educação, com nosso grupo unido e tecnicamente envolvido com a materialização daquela antiga proposta, que já comentei neste ensaio de reflexão, de que para que ocorram mudanças seria necessário estimular a discussão e o debate, na perspectiva de que uma transformação consistente começa no cotidiano das relações, no micro- espaço político de convivência.

Pois bem, é preciso primeiro dizer que num contexto de pós-greve, para que uma proposta seja organizada - leia-se: chegue ao papel - é necessário muito mais que uma daquelas falas calorosas e envolventes tão típicas do movimento. Envolvidos já em seu cotidiano de trabalho e de vida, até organizar uma reunião para que as pessoas possam conversar torna-se bastante trabalhoso. Assim, conversa-se e discute-se por email, mas as respostas são tão poucas e esparsas que geram um sentimento que beira a solidão, evidenciando o esvaziamento daquele comprometimento também tão típico aos militantes durante o movimento grevista.


Na tentativa de que todo aquele furor coletivo e engajado não se esvaia completamente você envia mais mensagens eletrônicas, lembra o grupo das tarefas necessárias para que a coisa aconteça, cutuca um pouco com seu pessimismo chamando aqueles com brios mais sensíveis a críticas e sente o peso dos mais e mais dias que se passam até outro pequeno passo ser dado.


O fato de haver tanta demora não chega a ser um problema, afinal, transformações tem que estar num contexto processual e, além do mais, no pós-greve há muito que se fazer na volta ao trabalho - caso não haja, às vezes trata-se de uma questão de segurança mostrar-se bastante ocupado para evitar pensamentos equivocados de que você não é tão necessário à universidade. Além disso, não é incomum a sensação de estar em dívida com o trabalho ou com os olhares avaliativos dos colegas num pós-greve, então, mesmo para aqueles grevistas convictos muitas vezes torna-se difícil envolver-se em mobilizações de qualquer tipo após a volta ao trabalho, é necessário fugir ao estereótipo de alguém que não está se dedicando a seus afazeres tal como manda a cartilha do que é ser um bom e imprescindível funcionário.


Portanto, a demora para a organização das tais propostas não é o problema central, a questão é perceber essa desmobilização letal, que vai lentamente tomando conta até dos militantes mais engajados, daqueles que contribuíram significativamente para fortalecer e enriquecer o movimento.


Penso que, se na Faculdade de Educação demoramos quase 2 meses para organizar uma proposta no papel, para conseguir fazê-la sair do papel rumo a uma efetiva transformação (considerando-se as baixas de participantes ao longo desse processo) é possível que sejam dispensados aí mais alguns anos, tal como iniciei minha reflexão, observando a referência das propostas feitas em 2007 - e não concretizadas, é bom lembrar.


Talvez eu esteja sendo injusta com meus dois companheiros que ainda estão envolvidos de forma ativa nesse processo de pós-greve transformador, confesso que eles são a única razão que me faz não finalizar esse ensaio sem esperança alguma. Mas minha questão é que não se faz biju sem farinha e não tenho certeza sobre o quanto de fôlego teremos para trabalhar por um coletivo que, aparentemente, não quer transformar o espaço a seu redor e talvez nem tenha interesse em ser um coletivo.


Infelizmente, parece que com o último suspirar do movimento grevista também suspiramos de alívio por poder voltar ao nosso dia-a-dia em uma universidade que não é a que queremos, mas que é a possível nesse sistema que nos acolhe, nos acomoda e nos torna acomodados.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Nós e a Greve – Parte II: 2007

Passeata na Avenida Paulista.
Depois da greve de 2007 na USP eu tinha pensado em não participar de outra greve novamente, porque fiquei com a sensação de que o desgaste não compensa as poucas conquistas que advém do movimento.

Parênteses: não quero dizer com isso que a greve não seja válida ou necessária, pelo contrário, acredito  que   sem  ela   muito   do   que   foi   conquistado  em relação a salários ou direitos trabalhistas estaria engavetado sem talvez sequer ter sido discutido.

A questão é que, na maior parte dos casos, algumas conquistas tornam-se insignificantes quando comparadas a todas as propostas de mudança que surgem na discussão política durante o momento de greve.

Ora, essa talvez seja a maior conquista coletiva do movimento, porque é durante a greve que acontecem discussões que permitem uma politização quase inviabilizada pelo cotidiano de trabalho. Durante a greve também é possível conhecer seus colegas de trabalho em outro contexto e partilhar, inclusive com divergências, suas opiniões políticas.

A greve é, sobretudo, um momento de grande aprendizado político e de cidadania.

Quem passa pela universidade e se exime de participar das discussões que permeiam uma greve, quem nunca foi a uma manifestação, nunca participou de uma assembléia, pode estar perdendo uma grande oportunidade de vivenciar por dentro um movimento político, inclusive para fazer críticas com conhecimento de causa.

Para além das discussões sobre salário e condições de trabalho, permanência estudantil e outras reivindicações, por assim dizer, mais pontuais, durante a greve surgem discussões de âmbito mais amplo que, dentre outras, questionam as instâncias (que deveriam ser) democráticas na universidade, as formas de relação institucional, além de outras, como por exemplo a relação entre universidade e sociedade.

Assembléia de estudantes.


Pois bem, na greve de 2007 na Universidade de São Paulo, gestão da Profa. Suely Villela, quando a reitoria havia sido ocupada por estudantes algumas semanas antes de deflagrada a greve de funcionários, a universidade virou um palco político no qual foram   travadas   discussões profundas sobre   o  papel  da
universidade, sua democratização e por aí afora.

Envoltos nesse clima que inspirava a mudança, lembro que houve uma plenária na Faculdade de Educação que congregou funcionários, estudantes e docentes para discutir questões internas à faculdade. Esse debate trouxe à tona a necessidade de espaços democráticos que viabilizassem uma discussão contínua em que todos os segmentos tivessem participação; um docente que era chefe de um departamento chegou a fazer um mea culpa dizendo que ele próprio, devido ao cotidiano intenso de trabalho, não conseguia tempo para propor e efetivar espaços concretos que permitissem a participação e discussão coletivas.

Evidentemente, todos concordaram com a necessidade de aproximação entre docentes, funcionários e professores através do diálogo, da partilha das necessidades de cada um no espaço de trabalho e alguém lembrou a dificuldade de que esse tipo de discussão e decisão sobreviva ao fim da greve muito em função do cotidiano de trabalho. Por conta disso, ali se firmou um acordo de que seriam garantidas, de alguma forma, a continuidade e aprofundamento dessas discussões para que as tais das mudanças fossem pensadas e implementadas e tudo o mais.

Bem, passados mais de 3 anos nada aconteceu nesse sentido. E eu, como pessimista que sou, fiquei me questionando se mesmo vivendo um momento político tão forte como o instaurado em 2007 - com uma greve de funcionários e a ocupação da reitoria que permitiram uma militância consciente e segura de sua força para reivindicar direitos – nada mudou profundamente na estrutura da universidade, ou pelo menos nada mudou em um local onde sei que isso foi pauta de discussão com acordo e tudo, que situação política tornará isso será possível? Que movimento trará condições favoráveis a essas mudanças mais consistentes nas relações institucionais, no cotidiano, na dinâmica da universidade?