terça-feira, 26 de outubro de 2010

O segundo turno das eleições 2010 para Presidente: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa


Imagem extraída de http://www.conversaafiada.com/
Sala cheia de alunos de pós-graduação em educação. Meu local de trabalho. A poucos dias da eleição a discussão, evidentemente, versa sobre o segundo turno para presidente.

Em meio às declarações indignadas de várias professoras que atuam na rede pública de ensino, inconformadas com o fato de ainda haver professores que votam PSDB - apesar do tratamento ofensivamente sucateante e abandonante dado à educação pelo governo estadual, em São Paulo nas mãos do PSDB há 16 anos e agora com direito à prorrogação - uma das pós-graduandas, professora da rede particular, declara que vai votar em Serra porque não quer que o PT “ganhe a eleição de lavada”.

Talvez pelo lugar conquistado social e academicamente, talvez por certa expectativa de discernimento e profundidade no debate político que esperamos dos profissionais da educação, o fato é que me surpreendeu ainda mais ouvir essa professora afirmar que seu voto seria para Serra não por gostar do PSDB, partido que não a agrada também, mas por não gostar do PT.

Ora, apesar de haver ainda professores que inexplicavelmente votam em Serra, o território da educação pública seguramente não é o mais favorável à defesa do governo tucano, se é que há algum que o seja. Por conta disso, não preciso dizer que as manifestações indignadas se encorparam e, numa investida conjunta pró-Dilma, tentamos demonstrar a inconsistência política desse discurso, sugerindo a essa professora que, nesse caso, votar nulo seria o mínimo para demonstrar coerência.

Pois bem, desde a semana passada, é possível notar aqui pelas bandas da Educação um clima de investida mais acentuada por parte de todos os que não querem o PSDB e Serra à frente da presidência. Logo no início da semana encontrei uma colega com adesivos de Dilma que, enquanto dividia alguns comigo, afirmava sobre a necessidade de que fôssemos mais incisivos ao demonstrar nossa opção no segundo turno porque, segundo ela, “estamos muito quietos” e talvez, devido a isso, percamos terreno para os que se dizem do bem.

Em encontro no final de semana com duas grandes amigas, também professoras, para uma sessão do uruguaio Gigante e do nacional Pro dia nascer feliz, também não faltou o momento segundo turno das eleições, momento em que uma delas comentou sobre um colega que tinha colocado como meta ganhar 5 votos por dia para Dilma.

Sem dúvida, tal meta exige muito esforço e energia, mas talvez não seja assim tão mais trabalhoso do que discutir e problematizar com alunos e colegas professores em busca de um debate mais orgânico sobre as relações entre política, economia e sociedade na história brasileira, tarefa de que elas têm se incumbido diariamente em sua profissionalidade.

Eu mesma tenho me surpreendido em inúmeros momentos incentivando amigos a não deixarem de votar com vistas a evitarmos perder valiosos votos nessa etapa final das eleições.

Usando um termo bastante apropriado ao momento, eu diria que, de maneira relativamente ampla, esse fervor sobre Dilma ser a melhor opção para o segundo turno surge menos de uma certeza: querer Dilma Presidente e mais de algo que não se tem dúvida: não querer Serra Presidente.

De fato, parece consenso que chegamos em um momento político no qual é necessário deixar de lado - por ora, é importante ressaltar - discordâncias, críticas e reservas ao PT e à Dilma, com o objetivo de unir forças para algo maior: não eleger Serra para presidente juntamente com o projeto PSDBista de governo bastante neoliberal e conservador, embora maquiado e travestido de socialmente justo, progressista e do bem.

Nesse sentido, é interessante observar a maneira como a opção por Dilma foi se construindo e se delineando ao longo dessas eleições. Pois bem, ainda que o PT não seja mais tão representativo de uma opção político-ideológica de esquerda como foi até alguns anos, há um entendimento entre diferentes grupos de que os interesses dos cidadãos estarão melhor representados com Dilma frente à disputa com o PSBD. Há consenso de que não se quer o PSDB governando o Brasil.

Por outro lado, observe-se como é diferente o movimento que aglutina os grupos que votam Dilma e Serra, grupos estes que poderíamos entender como esquerda e direita, ou pelo menos mais à esquerda e menos à esquerda.

Enquanto os que não querem Serra Presidente - por algumas razões citadas aqui, dentre tantas outras - juntam forças para tentar eleger Dilma e, independente das divergências entre si, com o PT e com Dilma, formam um coletivo pró-Dilma, muitos dos eleitores de Serra não formam um coletivo pró-Serra mas um coletivo anti-PT. São grupos que votam Serra menos por acreditarem no projeto político do PSDB e mais por não quererem o PT governando.

Talvez a seus olhos de leitor atento essas duas perspectivas de escolha soem idênticas, porque ambas estão focadas na não escolha do candidato concorrente. Contudo, é interessante observar que muitas pessoas que se utilizam do discurso “PT e PSDB são a mesma coisa”, curiosamente, vão votar no PSDB. Ora, se são a mesma coisa tanto faz votar em um quanto em outro. Equívoco! Essa lógica não funciona numa eleição, visto que votar em um dos candidatos significa fazer uma escolha, portanto, a única forma coerente de demonstrar que se considera os dois partidos a mesma coisa é votar nulo. Aliás, para quem realmente acha que PT e PSDB são a mesma coisa seria bastante digno e decente optar pelo voto nulo e deixar a decisão da eleição para quem acha que há diferença entre os dois partidos.

O fato é que ainda não vi ninguém que vai votar Dilma defender que PT e PSDB são a mesma coisa, ainda que com críticas e divergências ao PT.

Talvez seja por isso que, enquanto a cada dia mais e mais pessoas expõem acintosamente adesivos de Dilma no carro, na bolsa, na camiseta, no capacete, na moto etc., buscando visibilizar com veemência sua opção - outro dia vi um carro que tinha adesivos grandes de Dilma em todos os vidros e ainda uma bandeirinha! - os eleitores de Serra restringem-se, pelo menos aqui na Educação, a uma opção silenciosa, que se exime do debate político de idéias limitando-se ou a provocar os eleitores de Dilma e, especialmente, os militantes petistas, ou a expressar sua opção anti-PT.

Manifestação de professores em greve. São Paulo. 2010.
Quanto a muitos que votam conscientemente em Dilma, finalizo justificando essa escolha com uma frase de uma educadora muito querida que trabalha comigo e que expressa bem a diferença que representa optar por um ou outro candidato nesse segundo turno. Disse ela “o Serra a gente vence nas urnas, a Dilma a gente vence nas ruas”.

Considerando-se a forma como Serra prefeito e governador de São Paulo tratou as reivindicações e manifestações dos professores da rede pública, com polícia armada e impedimento de passagem até de professores que precisavam de socorro e que tinham sido feridos pela própria PM, é de se esperar que não seja possível qualquer tipo de diálogo quanto a divergências e encaminhamentos para a política nacional, o que, felizmente, não tem se delineado da mesma forma nos governos do Partido dos Trabalhadores.

Nesse sentido, não dá mesmo para falar que PSDB e PT são a mesma coisa. De fato, é preciso ponderar que, no caso de PT e PSDB, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

domingo, 10 de outubro de 2010

Gigante, de Adrián Biniez

Para comemorar meu décimo texto no blog - já falei aqui antes que sou coruja - resolvi escrever algumas impressões sobre o filme uruguaio Gigante, primeiro longa do diretor argentino Adrián Biniez.

O filme é de 2009, mas assisti semana passada na Mostra Cinusp - Para Gostar de Cinema 2006 a 2009 (vale dizer, ainda em cartaz) e achei o filme excelente. Premiado pela crítica no Festival de Berlim e em Gramado com prêmios de melhor roteiro, melhor diretor e melhor ator, além de levar o troféu especial para inovação cinematográfica, é possível encontrar inúmeros comentários e artigos elogiosos ao filme e ao personagem de Horacio Camandule, o segurança Jara.

Mais homogêneos que as indicações sobre o gênero do filme, que vão da comédia à comédia romântica e ao drama - os comentários sobre o personagem Jara giram em torno de seu romantismo, contrapondo o fato de ele ser um “sujeito grandalhão” ao de ter “um coração sensível e apaixonado”.

Encontrei até um artigo que dizia, a propósito dessa contraposição, que os brutos também amam, embora à maneira deles.

Mas que maneira seria essa? Mais que um romântico, Jara é um sujeito íntegro, de bom caráter, sensível e bacana. E mesmo com essas características de um típico “gente boa” não deixa de ser bastante agressivo em algumas situações que exigiram - ou nas quais ele quis demonstrar - sua força e/ ou sua raiva.

Talvez Biniez nem tenha pensado nessa questão ao criar o roteiro, mas acho que foi o filme mais não machista que eu já assisti. Ainda estou tentando lembrar de outro e não consigo. Para mim essa é a grande sacada do diretor em relação à criação do personagem, com fortes características convencionalmente associadas ao feminino, tais como a sensibilidade, a doçura e o romantismo, e absolutamente convincente em sua masculinidade.

A associação desses traços em homens à afeminação não é incomum e, muitas vezes, para reforçar o rótulo de afeminado são acrescentadas palavras de mau gosto bastante machistas tais como maricas, mariquinha, mulherzinha e coisas do tipo. No caso de Gigante, acho praticamente impossível que alguém associe Jara a algum desses xingamentos, não apenas porque ele é agressivo, aliás, é um equívoco bastante comum achar que homens com traços ditos afeminados não são agressivos.

Considero que essa é outra sacada incrível do não machismo de Gigante: não me parece que a constituição do masculino de Jara esteja essencialmente marcada pela agressividade ou pela força, há momentos em que isso aparece mas não considero o ponto central que faz sua masculinidade inquestionável. Para mim isso é demonstrado na coerência dessa constituição masculina, por sinal genial do diretor, em que através de inúmeras e sutis situações ele vai nos apresentando a personagem em suas contradições.

Assim, ao mesmo tempo em que Jara está interessado em saber o desfecho do encontro de Júlia, perde o casal de vista num momento tenso do jogo do futebol, que prende sua atenção. Ao mesmo tempo em que expulsa 2 sujeitos briguentos da danceteria onde trabalha demonstra preocupação com o cara que estava sendo achincalhado pelo outro. Ao mesmo tempo em que obriga o sobrinho a seguir Júlia junto com ele depois brinca com o garoto de luta de espadas.

Essas são algumas das situações que, no meu entendimento, contribuíram para a genial constituição não machista do filme e de Jara, um sujeito que teria tudo para ser um tipo de machão, não apenas por seu tamanho e força, mas por estar vinculado a um universo de pouca polidez e delicadeza. Ao contrário disso, o diretor Adrián Biniez conseguiu transformar um cara simples, com pouco estudo e poucos recursos num Gigante.
 
Há muitos outros elementos que fazem com que o Gigante seja imperdível para quem gosta de filmes excelentes, desses que nos deixam arrebatados com tamanho encanto e emoção, mas reservo-me aqui o direito de deixar que vocês os descubram por si próprios.
 

Gigante, direção Adrián Biniez, Uruguai-Argentina-Alemanha-Espanha, 2009, 90’.




Sites consultados:

http://cinema.uol.com.br/
http://www.estadao.com.br/
http://www.tripcult.com.br/

domingo, 3 de outubro de 2010

Carro zero tem seta?

Bem, é possível que esse título seja injusto com aquelas pessoas bem educadas que dirigem carros mais novos no trânsito paulistano. Concordo que talvez seja uma interpretação polêmica, mas à luz de um discurso bastante disseminado por aí, no qual os chamados pobres é que são sem educação, acho aceitável ter maiores expectativas de boa educação quando as possibilidades de acesso a ela são maiores. E não dá para dizer que quem dirige um carrão é sem educação por falta de oportunidade ou de acesso.

Na verdade, não acredito que o problema seja somente falta de boa educação, daquela que ensina a respeitar o outro e não querer se dar bem a qualquer custo. O que me parece é que carros caros não andam sozinhos e, dessa forma, muitos dos que tem um desses possivelmente tem um tanto de outras coisas que os fazem se sentir mais e melhores que nós mortais. Talvez isso explique a falta de respeito com que muitos Hyundai, Corolla, Vectra, Audi, Honda Civic etc. andam por aí, ultrapassando e mudando de faixa perigosamente e enfiando seus potentes motores em qualquer espaço possível sem uma sinalização básica, obrigatória por sinal.

É bem verdade que um trânsito abarrotado como o de São Paulo está também abarrotado de motoristas folgados, mas tenho sempre a impressão de que quanto maior e mais novo o carro mais folgado é seu motorista. É possível, evidentemente, que eu esteja enganada e essa proporcionalidade só chame tanto minha atenção porque normalmente são carros que, por seu tamanho e belezura, chamam mesmo a atenção de qualquer pessoa.

O fato é que tenho pensado que há coisas que o trânsito provoca que me levam a crer que mesmo pessoas gentis, solidárias, generosas, muitas vezes até religiosas, altruístas e que querem o bem do próximo não estão livres de sentimentos e atitudes vergonhosas quando estão à frente de um volante no emaranhado de carros de uma metrópole como São Paulo.

Vejam, estou bem longe de ser alguém com tantas qualidades, mas observando certos sentimentos que tenho quando dirijo por São Paulo comecei a refletir sobre o porquê e o que representa chegarmos a esses sentimentos que em nada orgulhariam uma pessoa de bem. Vejamos algumas situações.

Em geral sou uma pessoa tranqüila, até simpatizante da convivência amistosa, mas quando no trânsito, freqüentemente sou envolvida na teia da famigerada competitividade. Mas não é intencional, o que ocorre são situações como quando você está vindo na faixa da esquerda, no limite de velocidade, aí vem aquele sujeito impaciente - que se estivesse na rodovia jogaria farol alto até você sair. Como na cidade não dá para fazer isso ele ultrapassa você pela direita acelerando de tal forma a deixar claro a impaciência dele, como se estivesse no direito de dar bronca em você. Bom, quando logo à frente eu vejo que ele ficou parado no farol, numa fila de carros ou atrás de um caminhão e minha faixa me permite seguir tranqüilamente, é bom que se diga, dentro do limite de velocidade, não resisto àquele risinho interno.

Há também aquela situação em que você está se aproximando de um farol fechado, não há nenhum carro à sua frente, mas de repente alguém sai de uma faixa e entra na sua frente, afinal, todo mundo pára o carro atrás da fila que está menor. O povo não sossega, é muito chato, e aí quando de repente a outra fila em que o sujeito estava antes de mudar anda mais rápido que a atual, novo risinho, afinal, quem mandou ficar mudando o tempo todo de faixa? Não faz tanta diferença.

O pior é quando você está numa ladeira bem íngreme esperando para cruzar uma rua de duas mãos e aí vem aquele infeliz com seu carro potente se achando o esperto e quer te ultrapassar pela direita passando pela sua frente. Acho quase impossível não sentir ódio de um sujeito que faz uma coisa dessas, assim como daqueles que não deixam você fazer um cruzamento sendo que vão parar logo em frente porque o farol está vermelho ou, o pior e mais insensível, quando o trânsito está parado e você está esperando para entrar na via e ninguém deixa. Ou seja, tanto em uma quanto em outra situação o sujeito vai ter que parar 1 metro adiante mas não pode parar um pouquinho antes para deixar você passar ou entrar na fila de carros. Isso que é solidariedade! Acho impossível não vibrar muita raiva a uma pessoa que tem uma atitude dessas.

Mas o que mais me envergonha é o sentimento gerado quando estou em uma curva acentuada próxima da minha casa, local que dificulta muito a visão e no qual há um ponto de ônibus. Os ônibus não são abundantes na periferia mas, às vezes, acontece de haver um na sua frente, e aí surge aquele indivíduo que decide ultrapassar todo mundo invadindo a outra faixa totalmente sem visão por estar numa curva. Nessa hora não consigo não pensar “ah, se ele desse de cara com um carro”. Não, eu não gostaria que o cara batesse, até porque ia prejudicar alguém teoricamente inocente, mas que seria uma lição se ele tivesse que voltar para a faixa correta com o rabinho entre as pernas, ah, sim, isso tenho que admitir que passa pela minha cabeça de motorista patológica.

Por causa dessas e outras paranóias e chatices minhas sou freqüentemente associada pelos meus àquele personagem do Pateta, Sr. Walker, homem comum de hábitos estranhos e peculiares; na verdade, um senhor de bem que quando está ao volante muda completamente sua personalidade. É possível que eu não seja mesmo um exemplo de paciência e tolerância no trânsito, embora ache que há uma grande diferença entre fazer coisas desrespeitosas e não ter paciência com quem as faz. Mas tenho me esforçado e essa reflexão parte desse esforço, afinal, penso que se deixar influenciar por essa energia tão competitiva, intolerante e pouco educada que circula no trânsito de São Paulo não há de fazer bem a ninguém, nem a pessoas constituídas de acidez, pouco açúcar e muito sal como eu.
 
http://www.youtube.com/watch?v=cfnrHz_gM20