terça-feira, 12 de julho de 2011

Sobre Felicidade - Republicação de Aniversário*

Foto: Arquivo Pessoal.
Quando falamos em Felicidade penso que é necessário, além de certo cuidado, muita humildade. Digo isso porque ainda que a Felicidade pudesse ser definida talvez jamais chegássemos a parâmetros consensuais que pudessem ser adotados para justificar com segurança essa definição, sem falar na complexidade e subjetividade de tal estado de espírito.

Contudo, conforme anunciei no Aviso aos Navegantes desse Blog, 'sempre tenho algo a pitacar sobre tudo', e foi assim que em alguns textos aqui do 'Pouco açúcar' fiz algumas abordagens contextualizadas sobre Felicidade.

Agora escrevendo essa pequena introdução à republicação dos trechos que seguem, fiquei pensando que esse tema merece uma reflexão inerente a si próprio, a começar talvez mesmo por essa provocação em relação aos parâmetros que constituem a representação de Felicidade nesse nosso mundinho contemporâneo.

Mas me debruçarei sobre essa idéia depois de amadurecê-la um pouco - o quê o querido leitor que acompanha o Blog já sabe que pode demorar. Por ora, deixo alguns trechos que selecionei sobre o assunto e que, caso mexam com o curioso leitor, podem ser contextualizados em seus posts de origem, citados logo abaixo.


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  • "Nessa sociedade é piegas falar em felicidade baseada numa referência mais interna e pessoal, afinal, se você é alguém de sucesso, que conseguiu 'chegar lá', com certeza será feliz, não é assim? Infeliz com certeza será aquele que se contenta com pouco, que tendo a oportunidade de fazer um curso de alto padrão e reconhecimento social opta por um daqueles cursos que já falei aqui, que formam profissionais pouco valorizados socialmente e no mercado de trabalho, leia-se, especialmente, professores".
  • "Mas como eu já disse, ser feliz para quê, não é?, o importante é ser uma pessoa de sucesso, com um trabalho promissor, que garanta adquirir todos os bens de consumo que a sociedade impõe como necessários para que, aí sim, sejamos felizes. A felicidade, nesse contexto, não é fazer escolhas que estejam de acordo com o que queremos de verdade, com o que faz sentido ou nos completa, mas fazer escolhas que garantam retorno financeiro e um determinado padrão social".
  • "(...) ser feliz ainda é o que realmente importa na vida".


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Histórias de mulheres - Republicação* de aniversário

Professora com unhas vermelhas

Débora Arango.
Tela. s/ informações.
Certa feita, quando eu estava professora em uma escola, ouvi essa história a propósito de uma discussão, se não me falha a memória, sobre valores e visão de mundo no cenário da educação.

Um docente da FE-USP contou que na década de 80 havia indicado uma amiga para concorrer a uma vaga em uma escola particular de renome. Tempos depois, conversando com o coordenador, perguntou como a professora havia se saído na entrevista.

"É uma professora interessante, mas não dá para contratar uma mulher que pinta as unhas de vermelho, né?", comentou o coordenador, imagino eu, com ar de quem tem certeza de que fez a coisa certa.


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Mais unhas vermelhas e (mais) repressão ao feminino

Vejam que coisa, nem bem registrei essa história da professora com unhas vermelhas e já, por causa dela, uma querida amiga me contou algo similar sobre sua mãe, senhora jovial que, além de mulher incrível, cozinha o melhor escondidinho de carne que comi na minha vida.

Pois certa vez, lá pelos seus treze anos (ela tem cinquenta e poucos atualmente), Dona Esther* foi à casa de uma tia juntamente com sua irmã de 11 anos e a tia, mulher provavelmente desprendida dos padrões sociais da época, pintou as unhas delas de vermelho.

Chegando em casa, além de enfrentarem a bronca do pai - acho mesmo que apanharam - minha amiga contou que seu avô contrariado obrigou as duas a tirarem imediatamente o esmalte.

As mocinhas correram à vizinha, que também não tinha acetona. Desesperadas com a situação, utilizaram gilette para raspar as unhas, evidentemente, machucando e cortando os dedos.

Até hoje Dona Esther* e a irmã têm marcas nas unhas por causa dessa cor vergonhosa ao padrão de boa moça daquela época.


*Nome fictício.

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Débora Arango. Justicia.
História de uma escrava

Essa é a história de uma certa escrava e de um certo juiz. A escrava colocou fogo no filho recém-nascido para que o menino não se tornasse escravo como ela.  O maior crime não foi exatamente a morte da criança, mas o prejuízo do senhor pela perda de um bem, motivo pelo qual a escrava foi condenada a levar um tanto grande de chibatadas. O nosso juiz teria que contar uma a uma as chibatadas, obrigação que ele se recusou a cumprir, sendo deposto de seu cargo. Conta-se que ele morreu muito pobre por causa disso mas nada se sabe sobre como morreu essa mãe-escrava sem seu filho.



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*Histórias originalmente publicadas nas páginas Mil e uma histórias e Fazenda Pedra Negra.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Republicações de Aniversário

Queridos Leitores,

Vktor. Desenho em caneta hidrográfica, s/ título, 23x16cm, 2011.
é com muita alegria que comemoro neste mês de julho 1 aninho da criação do "Pouco açúcar e muito sal", com quase 15 mil acessos e, o mais importante, com reflexões prá lá de interessantes povoando os comentários dos que não se cansam dos textos longos e prolixos que insistem em marcar o estilo deste Blog.

Mesmo ainda criança, sinto que o "Pouco açúcar" cresceu e amadureceu neste período, trazendo temáticas e discussões pertinentes ao seu propósito de debater questões contemporâneas, com os posicionamentos sempre salgados e, não raro, polêmicos, de sua mamãe-escritora.

Ao mesmo tempo, quis que o Blog enveredasse por uma seara que gosto muito, dos causos e histórias, e já alguns foram contados aqui nas páginas Mil e uma histórias e naquela dedicada às histórias da Fazenda Pedra Negra.

Em um determinado momento achei que pudesse dar conta da dinâmica necessária de publicação em um espaço como esse e criei a página de Curtos, com o objetivo de publicar mais assídua e sucintamente no Blog. Não desisti da proposta, mas tenho me conformado com o fato de que a dinâmica da minha vida às vezes acaba se sobrepondo a minha necessidade de escrita no "Pouco açúcar".

Ainda que com esses adendos, o Blog se tornou querido de vários amigos próximos e foi essa uma das razões pelas quais meu grande amigo e artista Vktor decidiu me presentear, disponibilizando os desenhos dele para comporem o "Pouco açúcar". É dele o desenho que compõe este post e o que embeleza atualmente o plano de fundo do Blog.

Mas para além desse cuidado com a belezura, considero que o "Pouco açúcar" tem cumprido sua função de um projeto - como eu disse na apresentação do nome do Blog - que fosse 'a minha cara', que "pretende discutir tudo da forma como eu mais aprecio o debate, sob uma ótica nada doce e bastante salgada".

Assim, aproveitarei esse aniversário para republicar com essa marca de página inicial textos, histórias, frases, comentários, debates etc., que mereçam ser lembrados de forma comemorativa, principalmente aqueles com "Pouco açúcar e muito sal".

quinta-feira, 9 de junho de 2011

"Dizem que ela existe pra ajudar, dizem que ela existe pra proteger"

Imagem: www.aqueimaroupa.com.br
Era por volta de 21h15 de ontem quando estacionei próximo à praça dos bancos na Cidade Universitária. O trânsito lento e uma movimentação pouco comum na via do outro lado me chamaram a atenção e logo descobri o que estava acontecendo: uma blitz.

Dois carros da Polícia Militar, três motos - que não consegui identificar se eram deles também ou da Segurança do Campus, - alguns cones e meia dúzia de PMs, uns ostentando suas armas e outros sua envergadura de autoridade, paravam veículos, conferiam documentos e apontavam lanternas para os carros que tinham permissão de continuar seu trajeto.

Considerando-se o ocorrido há cerca de duas semanas na USP e o clamor que prevaleceu em torno da necessidade da PM no campus e do suposto bom senso que essa ação representaria, imagino eu que a razão dessa blitz seria a segurança dos que transitam pela Cidade Universitária.

Contudo, a julgar pelo padrão dos três carros que vi parados - motoristas do lado de fora e policiais fazendo seu trabalho - não me parece que seus proprietários sejam do tipo que assaltam estudantes a mão armada nas imediações de caixas eletrônicos.

Fiquei me perguntando então, em minha já conhecida ingenuidade, o que justificaria uma blitz no final do expediente de funcionários e saída tanto deles quanto de estudantes e professores da universidade.

Ah, sim, claro, em algum desses veículos poderia estar um seqüestrador com sua vítima, afinal, é a região próxima aos bancos e todos estamos muito bem informados de que houve uns tantos seqüestros-relâmpagos na USP nos últimos tempos.

Ora, evidentemente, imagino que se a polícia tivesse a sorte de pegar um flagrante desses teria meios de discernir entre um seqüestrador e um membro da comunidade USP, portanto, a julgar pela forma como os policiais conversavam, imagino também que nenhum daqueles jovens estava no papel de seqüestrador naquele momento.

Manifestante em passeata contra o aumento da tarifa de ônibus.
São Paulo, fevereiro de 2011.
Imagem: http://colunadleitor.blogspot.com
Até porque, como é de conhecimento de qualquer um que acompanhe minimamente os noticiários, por bem menos que a suspeita de um seqüestro, os PMs costumam ser muito mais incisivos, por assim dizer.

Na USP mesmo, logo nos primeiros dias em que a presença da polícia no campus foi legitimada pelos que reivindicaram para si os arautos da razão, um amigo me contou que estava chegando à FFLCH quando dois policiais desceram do carro empunhando armas em riste e fizeram uma abordagem desnecessariamente truculenta a um garoto negro
que andava por ali de chinelos e com aquele visual que todos podemos imaginar.

Mas esse tipo de atitude não parece incomodar aqueles que defendem que a  presença da polícia por si só inibirá os chamados criminosos. O interessante é que muitos que adotaram esse discurso e justificam a polícia no campus porque a Cidade Universitária é uma extensão do município são os mesmos que defendem que a USP se feche às chamadas pessoas estranhas à comunidade uspiana, como, por exemplo, motoristas que utilizam-na como rota de fuga do trânsito ou estacionam seus carros em locais estratégicos para dali pegar ônibus e seguir para seus destinos.

Não sei o que o nobre leitor pensa, mas tenho a nítida sensação de dois pesos e duas medidas nesse discurso. Além disso, acho surpreendente essa publicidade em torno da violência na USP porque há anos ouço relatos de inúmeros assaltos e seqüestros-relâmpagos no entorno da universidade e nunca vi nenhuma movimentação dessa monta das instituições de segurança pública para que houvesse mais policiamento nas redondezas. E olha que estamos falando de uma região privilegiada socialmente. Fico pensando se fôssemos considerar que polícia e segurança estão intrinsecamente tão ligados quanto se quer fazer parecer no caso da USP, se não seria coerente da parte do governo demonstrar a mesma preocupação que tem demonstrado com a segurança dos uspianos em relação à segurança de todos os outros cidadãos, especialmente aqueles que moram e trabalham em bairros de alta periculosidade.

Entendo que se trata de uma questão polêmica que, na minha opinião, jamais encontrará um consenso mínimo, mas penso que com a vinda definitiva da polícia para o campus sem um debate sério e aprofundado perdemos a oportunidade de refletir e situar em bases atuais a posição contrária de boa parte da comunidade acadêmica a essa decisão, contextualizada à época da ditadura.

Como sou das que pensa que polícia e segurança não são excludentes mas também não são siamesas, considero que o resultado dessa história é, sobretudo, simbólico. Por um lado, a comunidade uspiana tem agora uma sensação simbólica de segurança e, por outro, as instituições conservadoras representadas pela Polícia Militar conseguiram finalmente diluir os restolhos da sutil resistência acadêmica ao que simboliza o aparelho repressor estatal em voga desde à época da ditadura.

Polícia na USP. 2009.
Imagem: www.psolsp.org.br
De qualquer forma, voltando ao mote desse post e considerando-se o objetivo dos defensores do valoroso trabalho dos policiais, ou seja, a segurança no campus, não sei se faz muito sentido termos tantas blitz na USP - essa foi a 2ª que tomei conhecimento em menos de três semanas. E a julgar pelo tempo que fiquei esperando ali estacionada e o fato de que quando fui embora os jovens motoristas ainda permaneciam no local, inevitavelmente, pensei em habilitações e documentos vencidos ou na falta deles.

Mas espero sinceramente que os defensores dessa política de segurança estejam sentindo-se melhor e mais seguros agora na Cidade Universitária.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Violência lá e violência aqui: Felipe Ramos de Paiva e outros assassinatos

Imagem: fenapef.org.br
Quando comecei este post, pensava em inaugurar uma página que estou escrevendo para o Blog, intitulada Curtos. Contudo, em meio ao desenvolvimento do texto fui me dando conta de que a forma como o tema necessita ser tratado não cabia na proposta dos curtos. Assim, seguem algumas reflexões que fiz a partir da morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, 24 anos, assassinado semana passada na Cidade Universitária em São Paulo.

Antes de tudo, faço questão de registrar minha solidariedade à família nesse momento de dor e sofrimento profundos.

Ao mesmo tempo, fico triste por pensar nos inúmeros outros jovens assassinados em São Paulo e no Brasil como um todo e que não causam à sociedade a mesma comoção que a morte de Felipe Ramos de Paiva porque o assassinato desses jovens não é divulgado nem debatido com o furor e afinco adotados pela mídia em certos casos. [Atualmente o Brasil está na vergonhosa 6ª posição no ranking mundial de jovens assassinados].

Não costumo assistir jornais televisivos, mas dei uma passada d'olhos nos noticiários e li alguns artigos sobre um caso recente, do assassinato de 2 adolescentes na Grande São Paulo, Raizza Tavares Cruz e Elaine Serra Gomes da Cruz, ambas com 13 anos. Há informações sobre o caso, é verdade, mas não encontrei nada que se compare ao montante de notícias que nos aproximam da história de Felipe Ramos de Paiva.

Enquanto o caso da morte de Raizza e Elaine é tratado de forma, por assim dizer, fria, ou seja, noticiando-se apenas dados técnicos sobre como foi o assassinato, onde foi, qual a motivação etc., até ontem havia notícias-desdobramentos da morte de Felipe com um caráter bastante humanizador e tocante. Em muitos desses artigos e, provalmente, na mídia televisiva, é possível encontrar relatos sobre a vida de Felipe, seus sonhos, suas conquistas, sua profissionalidade e até sobre a vida mais intimista da família após sua morte.

Sem dúvida, depois do caso Isabella Nardoni, considero que é dispensável chamar atenção para a parcialidade da mídia ao visibilizar os casos com os quais se identifica, beirando às vezes ao sensacionalismo.

Entretanto, em minha costumeira ingenuidade fico pensando se mídia e sociedade verdadeiramente sérias e comprometidas com o senso de justiça - como querem parecer na discussão sobre o assassinato de Felipe - não deveriam demonstrar semelhante preocupação com tornar público o debate sobre a morte igualmente trágica de jovens das classes populares, das periferias e das favelas, assassinados de forma brutal e impiedosa, embora velada aos olhos daqueles que acham que isso é problema deles.

Eles, no caso, são todos os que estão sujeitos à violência concreta de traficantes e policiais e a outras violências que se somam e precedem aquela, como a falta de condições dignas de sobrevivência, a precariedade de moradia, educação e saúde e assim por diante.

Ora, não quero minimizar aqui a importância de se noticiar situações trágicas como foi a morte do estudante, mas me incomoda ver tanto compromisso em transformar o assassinato de um filho da classe média em um caso de comoção geral convivendo com uma quase insensibilidade social em relação a outras tragédias envolvendo nossos jovens.

Na minha mocidade lembro o quanto as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, ambas no Rio de Janeiro, geraram a indignação e comoção esperadas de uma sociedade que se pensa alinhada a parâmetros de justiça e aos fundamentos dos direitos humanos. Contudo, passados quase vinte anos, parece que chacinas não escandalizam mais a sociedade brasileira, apenas são noticiadas como tragédias inevitáveis provocadas comumente por "acertos de contas" entre traficantes, policiais corruptos quase nunca identificados, dentre outros.

Passeata em Uruçuca/BA
Imagem: epoliticasulba.blogspot.com
Não parece necessário a essa mesma mídia, que escancara o que poderia ter sido a vida de Felipe Ramos de Paiva, denunciar a morte sumária de milhares de vidas interrompidas todos os anos em chacinas pelo Brasil afora. Ainda que os dados mostrem que a esmagadora maioria de pessoas assassinadas nas favelas são inocentes e/ou não tem passagem pela polícia, permanece o distanciamento do nosso senso de justiça, como se realmente essas mortes não tivessem nada que ver conosco, como se fosse algo pertencente a outro mundo, o mundo deles.

Numa sociedade individualista e materialista como a nossa talvez o esperado seja isso mesmo, uma separação por classes sociais de como é entendida e tratada a violência, como foi por exemplo o Reage São Paulo, movimento organizado pelas classes médias em meados da década de 90 e sobre o qual alguns de nós, ainda estudantes das Ciências Humanas, dizíamos que tinha como motivação o deslocamento da violência, antes restrita às periferias, para os chamados bairros nobres da cidade.

De fato, o Reage São Paulo foi organizado a partir do assassinato de 2 jovens em um assalto no Bar Bodega, na região de Moema, e a pressão sobre o caso foi tamanha que os acusados inicialmente de terem cometido o crime foram torturados para confessarem. Ao proferir sentença contra os verdadeiros assassinos, o juiz deu seu parecer também aos sedentos por justiça do Movimento em questão:

"Essa face hipócrita da sociedade (...) todavia, jamais reagiu quando os filhos de famílias miseráveis, nos confins da periferia regional e social, foram e continuam sendo assassinados. São Paulo reage diante da morte de filhos ilustres, mas não se emociona diante da morte dos filhos dos desprovidos de capacidade econômica que não podem freqüentar casas noturnas de Moema, mas freqüentam os bares dos bairros distantes. 'Reage São Paulo' não reagiu em favor dos nove jovens que foram barbaramente acusados e sofreram para confessar um crime que não cometeram. (...) Alguns desses jovens, que de comum têm a vida infra-humana, a pobreza latente, a falta de esperança de dias melhores, a miséria como companheira constante, a falta de ideal e perspectiva de futuro, a cor da pele, ainda sofrem as conseqüências da perversidade". Dornelles, Carlos. Bar Bodega, um crime de imprensa. São Paulo, Editora Globo, 2007. p. 261.

Infelizmente, parece que as classes médias continuam com os olhos vendados, enxergando apenas a violência cometida contra os seus.

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Principais notícias consultadas:

domingo, 15 de maio de 2011

Algumas ponderações sobre Identidade [Virtual]

Imagem: www.advivo.com.br
Na primeira parte deste texto falei um pouco sobre alguns problemas advindos de um dos últimos bugs do Google, em que contas de email foram desativadas e, por conseguinte, blogs removidos.

Como estive entre os usuários atingidos por esse bug, fiquei alguns dias sem meu email e Blog, o que me levou a essa reflexão sobre identidade [virtual], que tento esmiuçar um pouco nessa segunda parte do post.

Bem, nos idos de 1998, quando comecei a usar a internet e conhecer pessoas nas já meio esquecidas salas de bate-papo, lembro que havia sempre aquele fantasma do "será que a pessoa do outro lado é quem diz ser?" - fantasma ainda não totalmente extirpado, é verdade, mas mais decepcionante na atualidade para ingênuas mocinhas casadoiras ou perigoso para crianças e adolescentes que usam computadores sem nenhuma supervisão ou orientação dos pais.

Contudo, excetuando casos exagerados ou patológicos como esses - em que o objetivo é enganar ou fazer mal a alguém, penso que é necessário considerar ilusória essa idéia de “quem uma pessoa realmente é”, afinal, publicamente, todos usamos nossa máscara social sob a qual se esconde nossa verdadeira identidade - seja no mundo real ou no virtual.

Ora, não é novidade para  ninguém que um about me, assim como frases de efeito ou o que se fez no fim de semana é muito pouco para o real significado de nossa identidade. Assim como no trabalho podemos adotar um padrão de comportamento, de vestimenta ou de vocabulário distante do que gostaríamos mas conveniente para o exigido socialmente pela empresa ou pela nossa função. Ou seja, não se trata de mentir sobre nossa identidade, mas sobre o quanto realmente queremos [ou o quanto é possível permitir] que os outros saibam sobre nós.

De qualquer forma, salvaguardados os parâmetros expostos acima, considero que para aqueles que usam a net de forma séria, buscando divulgar seu trabalho e suas idéias, manter o contato diário com amigos e mesmo conhecer novas pessoas, a identidade virtual tornou-se tão importante quanto a identidade adotada pelas pessoas em outros espaços de suas vidas.

Foi assim que me vi absolutamente perdida quando descobri que não tinha mais acesso ao Gmail - meu email principal - e depois com uma sensação enorme de desconforto  porque grande parte da minha identidade virtual está vinculada a essa conta: para acessar o Fórum Blogger, por exemplo, nesse período tive que usar a conta Gmail de um amigo e, embora eu tenha explicado isso no Fórum, foi muito estranho porque é como se não fosse eu escrevendo ali. O desconforto foi tanto que quando recuperei minha conta e fui postar lá novamente comecei com um “antes de tudo, quero dizer que é muito bom poder voltar a este Fórum como eu mesma (ainda que virtualmente)”.

Depois do susto, fiquei refletindo sobre essa sensação de lacuna porque, para além dos arquivos, discussões e contatos, de fato, era quase como se uma parte de mim tivesse se perdido em meio à confusão gerada na perda dessa nova identidade. Mas de onde vem tamanha força que constitui a formação dessa identidade virtual? É bem possível que não seja da suposta perda concreta de dados, afinal, exceto se um email é criado exclusivamente para arquivo, todos guardamos ali muito mais do que realmente vamos utilizar, e os contatos, bem, os contatos verdadeiramente importantes seguramente poderiam ser recuperados porque são de amigos e de pessoas próximas. Então, qual seria a verdadeira razão de me sentir tão perdida sem minha famigerada identidade virtual?

Considero que talvez a identidade virtual seja algo quase que inerente aos crescidos em meio ao universo das redes sociais, dos sitesblogs, das discussões em listas de emails e das conversas online. Mas para quem viveu uma época em que o celular era supérfluo e a internet era total inimaginável confesso que estou um tanto chocada por me perceber tão parte e, por que não, tão dependente, desse universo virtual.

Fico pensando se chegará o dia em que não bastará mais ao humano simplesmente ser, mas também será imprescindível ser virtualmente.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sem email e sem blog: depois do susto, algumas reflexões

Imagem: www.forum.imasters.com.br
Para os queridos leitores, talvez desavisados do susto que levei esses dias: tive minha conta Gmail desativada pelo Google e, com isso, perdi o acesso a todos os produtos Google tais como orkut, youtube etc. e meu Blog também foi removido, ficando fora do ar durante esse período.

Nos Foruns do Google, de que faço parte há alguns meses, acompanhei o desespero de vários usuários que, como eu, de repente, perderam acesso a seus emails e blogs.

Não sei se posso afirmar que esses chamados bugs têm sido mais freqüentes do que o aceitável, mas o fato é que há coisa de 2 semanas mais de 200 blogs foram removidos devido a um "bug do sistema automatizado de revisão" assim como no mês de dezembro do ano passado. Também no final de fevereiro outro bug atingiu milhares de usuários que tiveram suas contas desativadas e essa semana novamente.

No Fórum Blogger falei um pouco sobre a necessidade de nos prevenirmos contra esse tipo de situação, já que:

  1. nenhum sistema ou máquina é perfeito e está 100% isento de panes e problemas;
  2. enquanto o problema está sendo resolvido, você não fica a mercê;
  3. ainda que você se sinta lesado e processe judicialmente etc., nada disso vai fazer você recuperar os dados perdidos.

Até lembrei de um exemplo a partir de uma atitude minha, meio demodé para os padrões modernos da atualidade, mas que considero necessária enquanto prevenção: já há alguns anos passei a adotar uma saudosa caderneta com telefones, depois que vi muitos amigos meus perderem todos os seus contatos porque o celular morreu ou foi roubado.

Ou seja, fatalidades acontecem e, no caso dos bugs por exemplo, independente da responsabilidade do Google, o melhor é sermos mais prevenidos para não sermos 'pegos de calças curtas' nem ficarmos sofrendo além do necessário.

Mas mais do que informar sobre esses imprevistos e seus percalços, quero dividir com vocês algumas reflexões que fiz sobre essa perda momentânea de minha identidade virtual, como é chamada a identidade no ciberespaço.

Inicialmente, essa reflexão integrava este post mas, atendendo a pedidos, dividi o texto em duas partes. Assim, na segunda parte, trato especificamente do tema identidade [virtual].

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Terceirizado: um não-funcionário em um não-lugar

Assembléia de Funcionários Terceirizados em Greve na USP. 2011.
Imagem: http://nucleopaoerosas.blogspot.com/
A primeira vez que lembro de ter ouvido o termo terceirizado foi ainda na minha mocidade, quando eu trabalhava num escritório no interior de São Paulo. A minha então chefe explicava como uma outra empresa do ramo da construção civil tinha demitido funcionários e contratado, por meio de outra empresa, pessoas para fazerem o serviço.

Naquela altura aquilo me soou meio sem sentido porque 1) era difícil imaginar como seria a convivência com pessoas estranhas à empresa e 2) se a tal construtora tinha que pagar uma outra empresa para esta, por sua vez, pagar os funcionários, por que não fazê-lo diretamente contratando essas pessoas, ao invés de fazer o mesmo trabalho duas vezes?

Pois bem, com uma compreensão de mundo um pouco menos limitada do que naquela época, hoje costumo dizer que a terceirização dos serviços, se não foi a maior de todas as sacadas do capitalismo, com certeza foi uma das maiores e melhores para o que o sistema capitalista sabe fazer de melhor: explorar e enriquecer à custa de outrem.

Sejamos justos, realmente os caras que pensaram na terceirização foram muito inteligentes e perspicazes.

Vejamos, por exemplo, uma empresa considerada decente no mercado, que obedeça às leis trabalhistas e, eventualmente, tenha certo renome, não pode ter em seu quadro funcionários sem registro em carteira. Além disso, a depender do status e da seriedade de tal empresa, haverá benefícios que façam jus à qualificação de seu quadro funcional, ou seja, há um custo social e financeiro implicado na vinculação de um funcionário pelo registro em carteira.

Contudo, é possível que o terceirizado custe à essa mesma empresa o equivalente a um funcionário sem registro na carteira de trabalho, já que não tem acesso aos benefícios da empresa e, seguramente, seu salário será menor, ainda que o trabalho seja o mesmo de um funcionário contratado oficialmente pela empresa. Contudo, diferente do que representa juridicamente um funcionário sem registro, a terceirização é legitimada pelo sistema.

Além disso, não bastasse a diminuição de gastos no quadro de pessoal e a conseqüente ampliação dos lucros, a outra vantagem da terceirização é bem mais profunda porque é, antes de tudo, de cunho ideológico, seja, a perniciosa forma como o funcionário terceirizado fica deslocado socialmente em todas as dimensões que dizem respeito a seu espaço de trabalho.

Nem vou abordar aqui o fato de que a terceirização, sem dúvida, favorece a fragmentação de qualquer organização política ou trabalhista dos funcionários, porque como imagino que não haja empresa no mundo estruturada com vistas a fomentar a organização de trabalhadores considero que esse não é o cerne da questão.

Porém, a terceirização vai muito além do objetivo de desorganizar movimentos sociais, porque o terceirizado é um não-funcionário em um não-lugar: ele não tem vínculo algum com a empresa em que trabalha temporariamente e, não raro, quase que não tem vínculo também com a empresa que o contratou.

Certa vez, uma funcionária terceirizada da Faculdade de Educação da USP me contou que a empresa dela não tinha nem escritório, que toda a contratação era feita na própria USP, numa espécie de QG alocado em uma das unidades de lá.

Esse é um fator importante: é difícil haver um escritório ou alguém a quem o terceirizado possa se reportar e, se há, é sempre em um local bem inacessível. Já ouvi dos terceirizados da FE-USP, que em geral moram na região próxima à universidade, que os escritórios das empresas ficavam em Santana, Itaquera e até no ABC, o que também dificulta qualquer vínculo institucional desses funcionários com outros da mesma empresa tanto por essa fragilidade de existência enquanto grupo quanto pela rotatividade e distância dos lugares a que são enviados.

Ora, ainda que inaceitável para alguém com um senso mínimo de humanidade, é possível entender que essas práticas perniciosas e ofensivas à dignidade humana sejam adotadas por empresas cujo objetivo único é lucrar, se pensamos nos padrões materialistas do chamado capitalismo selvagem.

Passeata de Terceirizados em Greve na USP. 2011.
Mas como explicar que instituições públicas como a Universidade de São Paulo - que se orgulha de “integrar um seleto grupo de instituições de padrão mundial” e de ser responsável pela pesquisa e a formação “em prol do desenvolvimento da sociedade brasileira e do mundo” - adotem em seu quadro um sem-número de funcionários terceirizados trabalhando em condições indignas, praticamente reduzidos à semi-escravos?

Bem, não sei se há realmente alguma explicação razoável para isso, mas na segunda parte deste texto tratarei um pouco mais especificamente da terceirização nesse âmbito. Por ora, considero que a greve dos terceirizados na USP expôs publicamente um outro lado, que a Universidade de São Paulo tenta manter escondido atrás de sua imagem social de universidade de excelência.

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Leia mais sobre a Greve de Terceirizados da USP em:

 


segunda-feira, 21 de março de 2011

Sandy e Devassa: reflexão sobre estereótipos e papéis sociais feminininos na sociedade atual

Imagem: www.youtube.com/user/BemDevassa
Com certeza não é novidade para ninguém a nova campanha publicitária da cerveja Devassa tendo como garota propaganda a ex “Sandy e Júnior”, agora Sandy somente.

Lembro que quando duas amigas me “apresentaram” essa cerveja num boteco da vida achei uma sacada interessante, afinal, o que mais pensamos quando falamos em devassa senão em uma sexualidade liberta e libertina e em sexo picante, apimentado e deliciosamente quente? Além disso, diferentemente de bebida e direção, bebida e sexo são coisas muito boas de se misturar.

Curiosamente, embora alguns dos significados sensuais encontrados no Dicionário Aurélio para Devassa sejam substantivos tais como desregrado, libidinoso e corrompido, o que a cerveja associa a ser devassa é, por assim dizer, muito mais pueril e inocente, expresso no lado “desencanado, descontraído e desinibido”, sendo, ao que tudo indica, a exploração do contraponto entre esse lado  mais ‘comportado’ e o lado devasso a principal jogada de marketing da atual campanha da cerveja.

Pois bem, há alguns dias ouvi comentários indignados de algumas pessoas próximas, dizendo que o comercial não convencia porque a “Sandy não tem nada de devassa”, que ela “nem bebe cerveja” e que o short que usa na propaganda “vai até aqui” - uma amiga até afirmou, apontando para uma parte da coxa que indica um comprimento meio careta para quem se pretende mesmo devassa.

Até aí era uma conversa séria e tranqüila, entre amigos e amigas, mas depois eu soube que a outrora mocinha - que agora intenta se mostrar uma mulher devassa - acabou virando motivo de chacota na internet e, ainda que muitos fãs a defendam veementemente, não há como não saltar aos olhos comentários como o do jornalista José Simão, colunista da Folha UOL e apresentador do Jornal da Band, que disse em seu programa de rádio na Band FM que “até a Mônica do Maurício de Souza é mais devassa que a Sandy”.

Como estamos em março, mês dedicado internacionalmente à mulher, pensei que talvez fosse interessante discutir essa questão para além do mimimi publicitário e fofoquístico, examinando um pouco os estereótipos a que as mulheres muitas vezes são submetidas e os inúmeros papéis sociais de que teríamos que tentar dar conta na atual sociedade.

Ora, não é preciso ser um crítico voraz da Sandy para observar que a moça não faz bem seu papel de devassa. Não fosse assim, seria ela própria a rebolar e requebrar de biquíni dançando a clássica “Conga  Conga Conga” da cantora Gretchen, música apropriada a movimentos de quadril e de bunda, que combinam muito com a imagem de mulheres soltas como a Gretchen, mas que parecem não se adequar bem a nossa comportada Sandy.

Entretanto, devemos admitir que a idéia da Devassa foi boa, invocando a fantasia de dançarinas com pernas abertas sobre uma cadeira, imagem sensual que, sem dúvida, está presente no imaginário masculino e feminino. Porém, tenho que concordar com minha amiga, porque mesmo havendo certa sensualidade, as roupas usadas pela Sandy nesse comercial são bastante comportadas - talvez adequadas e convenientes aos padrões sandyanos de ser, mas pouco convincentes para o imaginário do que é realmente devasso.

Mas, então, por que investir em algo tão pouco consistente? Será que a polêmica em torno da pouca ou nenhuma devassidão da Sandy venderia mais cerveja do que a sensualíssima Paris Hilton, com seus lábios carnudos, cabelos loiros volumosos, pernas roliças e desnudas e um quadril espontaneamente - e estonteantemente rebolante?

Considero que a grande sacada talvez esteja aí: exatamente em cutucar a fantasia que muitos rapazes, hoje homens, talvez tivessem - e ainda tenham - de imaginar como seria se a Sandy REALMENTE fosse devassa. Sim, porque, verdade seja dita, ela encantou uma geração inteira com sua beleza e autêntico comportamento pueril de “boa moça”. Como essa geração tornou-se adulta não é tão difícil supor que talvez boa parte ainda curta a Sandy, agora como mulher, e imaginar que ela possa não ser tão comportada como parece pode tornar a fantasia muito mais excitante.

Contudo, minha questão é pensar em qual seria o problema de ser comportada, de ser uma “boa moça”, de não ser uma devassa? Seria essa imagem prejudicial à carreira da Sandy em seu momento atual ou isso teria muito mais a ver com a mulher do que com a artista? Ela afirmou em entrevista que “todo artista quer exposição” mas, nesse caso, me intriga realmente o tipo de exposição que ocorre no que tange à representação do feminino.

Nesse sentido, não seria um contra-senso imaginar que parecer bem comportada socialmente é ruim se confrontado ao que representa ser devassa? Aparentemente, para os padrões sociais atuais, uma mulher considerada liberada sexualmente - óbvio que dentro de certos limites da sociedade machista - é muito mais interessante do que aquela tida como sexualmente convencional. No caso da Sandy, soma-se o fato de que talvez ela tenha se cansado de ser vista como a menina inocente e angelical, imagem da cantora adolescente que foi muito fortalecida pelo próprio comportamento dela, vista como “boa moça”.

O ponto sobre o qual acho interessante refletirmos é esse da pressão sofrida socialmente para estarmos dentro de determinados padrões e a dificuldade que, não raro, temos para exercer nossa identidade e sermos quem realmente somos de forma independente porque, muitas vezes, o alinhamento a padrões vigentes podem implicar uma maior aceitação social e até não termos “dores de cabeça” no trabalho, na vida familiar, nos círculos de amizades e mesmo com a auto-imagem.

Nesse sentido, fiquei ponderando sobre o quanto talvez essa moça sinta-se pressionada a mostrar para o seu público que não é mais menina, que se tornou uma mulher e que aquela imagem  pueril que tinha deve ser substituída pela de uma mulher adulta, com vida sexual e tudo o que isso implica. Contudo, em suas próprias declarações rescende o quanto isso está atrelado a um comportamento convencional, dentro de padrões tradicionais, quando diz, por exemplo, que “nem todo mundo consegue ver que cresci, e que sou uma mulher de 28 anos, casada”.

Para mim aí está o grande lance da questão: ser uma mulher casada, com uma vida socialmente comportada, que não se enquadra nos padrões sexuais de devassidão, também pode ser tão interessante e excitante quanto viver o lado devasso no sentido picante do imaginário do termo. O que me parece pouco excitante é tentar convencer o outro de algo que nem nós mesmos estamos convencidos plenamente. Na minha opinião, não há como negar que a Sandy se tornou uma mulher muito bonita e sexy, mas daí até sustentar uma imagem de devassa tem um caminho, a meu ver, desnecessário e pouco convincente.

Penso que nós, mulheres, temos cada vez mais que refletirmos sobre esse montante de estereótipos e papéis que a sociedade machista tenta nos impor a todo custo. Ao mesmo tempo em que somos cobradas para sermos boas esposas, boas donas-de-casa, profissionais competentes e excelentes mães, somos bombardeadas com os valores da ditadura da beleza e da perfeição corporal, que implicam basicamente sermos sexys e sensuais, sem celulite, sem cabelos brancos, magras, com peitos grandes, com bundas duras e empinadas, dentre outros exageros estéticos que circulam por aí.

Não quero dizer com isso, evidentemente, que não seja possível à mulher cuidar-se e sentir-se linda ao mesmo tempo em que agrega qualidades intelectuais e emocionais, além de papéis sociais como os de mãe, esposa, amante, profissional bem-sucedida etc., afinal, se há algo historicamente inerente à mulher é sua habilidade de conseguir dar conta de muitas coisas ao mesmo tempo. Contudo, essa condição é muito distinta da de ser pressionada a aceitar imposições para ter um corpo perfeito ou, como foi abordado aqui, indicando que tipo de mulher você deve ser, comportada ou devassa, independente do que VOCÊ QUER ser.

No caso da Sandy como potencial devassa, considero que não aceitar essa imposição seria admitir que o máximo que seu lado devassa tem é o que a própria campanha publicitária afirma, “um lado descolado, descontraído, divertido”, e que não há problema algum nisso, afinal, ela continuará uma mulher bonita, desejável e interessante porque toda mulher pode ser considerada e desejada para além de seu lado devassa.

sábado, 12 de março de 2011

Como melhorar o trânsito paulistano

Imagem: http://quatrorodas.abril.com.br/
Depois do contraste Minas-São Paulo que vivi no último feriado refleti um pouco sobre quanto cada lugar está envolvido em um tipo de energia diferente, a depender do que acontece ali.

Claro que aos adeptos da materialidade isso pode parecer um pouco hippie demais, mas o fato é que as vibrações que emanamos diariamente nessa Sampa da pressa, da produção, do stress, da super-lotação etc. tornam a energia daqui pesada e difícil, muito diferente, por exemplo, da de Minas, pelo menos no sul, na região de Três Pontas, onde fica a Fazenda que já falei aqui no blog antes.

E o trânsito talvez seja um dos espaços onde mais essa energia se materializa porque é onde mais se concentram pessoas que acabam se irritando tanto pelas questões inerentes ao que chamamos de trânsito - e que em São Paulo representa basicamente ficarmos lentos ou parados no caminho - quanto por conta de outros fatores que vão piorando essa energia de ter de esperar diariamente nos trajetos de carro ou ônibus ou mesmo de trem e metrô.

Pois bem, formulei uma proposta que, imagino, fosse adotada por todos, poderia amenizar muito nosso stress no cotidiano do trânsito em São Paulo e, por conseguinte, amenizar o peso das vibrações que despejamos nessa Sampa que pode ser mais agradável e leve na trajetória de seus comensais, por assim dizer.

É o seguinte, considerando-se que todos vamos enfrentar algum trânsito no cotidiano, a brincadeira é tentar pegar o máximo de trânsito possível diariamente, sendo que o ganhador é aquele que tiver conseguido a maior kilometragem com trânsito ou número de horas no trânsito lento ou parado por semana ou por mês - podemos aprimorar depois qual é o jeito mais fácil de fazer essa medição. 

Assim, aquele motorista acostumado, por exemplo, a ficar costurando o trânsito aqui e ali para ganhar tempo já vai pensar duas vezes, afinal, se fizer isso vai perder pontos para quem gasta mais tempo no trânsito porque respeita as faixas.

Por sua vez, aquele motorista que gosta de aproveitar uma faixa que não existe, o acostamento ou uma faixa que vai se estreitando para cortar a fila de carros pela direita e entrar na frente de todo mundo também vai repensar essa prática mal-educada porque, seguramente, ao conseguir ganhar um tempinho vai perder pontos para aquele que respeitou a fila.

Aquele outro sujeito que faz uma manobra proibida para pegar um caminho alternativo que promete alguns segundos de ganho de tempo no trânsito também não vai mais querer arriscar-se a perder pontos, afinal, vamos relembrar o objetivo jogo?, vale tudo para ficar mais tempo no trânsito e completar mais horas que seu oponente no trânsito lento ou parado. No caso dessa manobra ilegal ainda pode acontecer de o nosso possível ganhador conseguir que o trânsito fique parado mais minutos nas faixas principais, ganhando ainda mais pontos em cima do metido a espertinho, que entrou no caminho alternativo através de uma manobra ilegal e conseguiu cortar a frente de todo mundo.

Uma outra prática comum no trânsito é aproveitar para fazer cruzamentos onde é proibido entrar ao invés de procurar um retorno ou uma rotatória. Entrando na nossa brincadeira, com certeza o apressadinho não ia se importar de esperar um pouco no trânsito e, dessa forma, iria deixar de fazer essas coisas erradas, que teoricamente ajudam o cara a ganhar tempo e sair do trânsito mais rápido mas de que nada servem para ajudá-lo a ser o vencedor nesse jogo.

Imagem: www.devaneiosdeumforasteiro.blogspot.com
Outra coisa menos perigosa mas um tanto quanto irritante é que ninguém mais ia ficar mudando o tempo todo de faixa para ficar na frente de todo mundo e sair primeiro quando o semáforo abre. Um desdobramento dessa atitude seria que os bons jogadores também deixariam os outros motoristas que pedem passagem entrarem no trânsito, afinal, quanto mais pessoas entrarem na sua frente maiores as chances de elas chegarem ao seu destino antes de você e, assim, você ganhar a brincadeira. Essa estratégia ajudaria na gentileza, iguaria pouco encontrada no trânsito de São Paulo.

E os motociclistas e motoqueiros então? Pensariam duas vezes antes de ficar correndo que nem loucos entre espaços os menores possíveis entre os carros para chegar muito rápido aos seus destinos, afinal, o objetivo é ganhar a brincadeira, portanto, ser extremamente rápido em um trânsito lento só pode colaborar para que você jamais seja o vencedor do jogo.

É, acho que teríamos que ter duas categorias, a de motociclistas e uma geral, com todos os outros veículos, senão quem dirige moto, mesmo com muito esforço, jamais conseguiria vencer a brincadeira!

quarta-feira, 9 de março de 2011

**Mulheres, Sarkozy e o Dia Internacional da Mulher

Imagem: http://blogueirasfeministas.com/
Era a hora do almoço na Pedra Negra, todos já reunidos, quando fomos surpreendidos por um dos hóspedes que pediu licença para fazer uma homenagem às mulheres.

Tive aquele momento "puxa, nem lembrei", mas ponderei que estava há dias alienada do tempo-espaço do cotidiano da informação, do urbano e da universidade, mergulhada no bem-estar que emana da calmaria da Fazenda, de seu entorno verde e montanhoso e do convívio harmônico e interessante com nossos anfitriões.

Porém, considerando-se a importância de tal data e minha militância no universo do feminino e do feminismo, imediatamente pensei em me retratar de tal lacuna e escrever alguma reflexão sobre isso no blog. Tarefa de responsa, diria a gíria sobre o assunto, e lá fui eu dar uma 'pesquisadinha' no Google para ver as últimas sobre a data.

E qual não foi minha surpresa ao dar de cara com a declaração do excelentíssimo presidente da França, Nicolas Sarkozy, em uma celebração, defendendo que o Dia Internacional da Mulher é "simpático, é necessário, mas talvez nos devêssemos concentrar no essencial". O essencial, segundo o presidente zeloso das questões econômico-sociais, “é encontrar trabalho para homens e mulheres, uma possibilidade de promoção social para os dois".

Parece-me que o presidente precisa se informar melhor, porque se o problema fosse apenas garantir de forma equitativa oferta de empregos para homens e mulheres não haveria tanta discrepância entre salários, por assim dizer, femininos e masculinos, no mundo do trabalho. No Brasil, por exemplo, pesquisa do Dieese aponta que mesmo as mulheres que possuem maior nível de escolaridade que os homens ocupam funções aquém de sua formação, "além de ter remuneração menor se comparada ao sexo oposto". Na França de Sarkozy os dados indicam que as mulheres ganham até 27% menos que os homens exercendo a mesma função.

Outro equívoco de Sarkozy é falar como se a defesa da existência do Dia Internacional da Mulher fosse incompatível com o desejo de igualdade de direitos para homens e mulheres, como se estivéssemos já em pé de igualdade de direitos com os homens e nossas reivindicações fossem para ter mais direitos que eles.

Talvez por isso tenha questionado se mulheres desejosas de autonomia e de trabalho não terão iguais aspirações para o seu filho como para a sua filha?” Mas alguém precisa explicar ao excelentíssimo presidente que a igualdade de direitos para as mulheres ainda está longe de ser conquistada em sua plenitude, portanto, sim, temos as mesmas aspirações para nossos filhos e filhas, com a diferença que para os nossos filhos o terreno já está bem propício, enquanto que para as nossas filhas muitos Dias Internacionais das Mulheres ainda terão lugar antes de conquistarmos reais e justas possibilidades de vivência nos espaços domésticos e sociais, de trabalho etc.

Reconhecemos que “as coisas mudaram consideravelmente”, como observou muito bem o senhor presidente, mas apenas quem não convive em espaço  algum com mulheres nem acompanha absolutamente nada sobre a vida da mulher no mundo contemporâneo pode pensar que tais mudanças são satisfatórias e que nada mais é necessário mudar para melhorar a vida das mulheres na sociedade atual.

Mas o que verdadeiramente me chocou no nível de ignorância do excelentíssimo presidente foi seu questionamento sobre se o Dia Internacional da Mulher “quererá dizer que os restantes dias são do homem?”

Nem vou gastar minha verve contestando uma bobagem tamanha como essa, mas lembrei de uma situação uma vez num supermercado, quando ouvi duas mulheres conversando sobre esse assunto e uma delas comentou que achava um absurdo haver um Dia Internacional da Mulher e não haver um Dia de comemoração para o homem.

Fico pensando no grau de opressão e alienação que levam uma mulher a não se enxergar como sujeito social a ponto de pensar como a minha colega descrita aí acima e considero que, se levarmos em conta episódios particulares como esse e públicos como o das declarações de Sarkozy, ainda teremos mesmo que comemorar muitos mais Dias e Dias Internacionais das Mulheres com muita luta, consciência e conscientização.

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Abaixo faço minha homenagem, com algumas demonstrações da importância do Dia Internacional das Mulheres e da participação e mobilização das mulheres em questões políticas e sociais:


Mulheres negras em manifestação. 8 de março. 1988.
 Imagem: www.memoriaemovimentossociais.com.br


Rio de Janeiro. 8 de março. 1989.
Imagem: www.memoriaemovimentossociais.com.br


                                                                   

Feministas anticapitalistas por um mundo livre. 8 de março. 2008.
Imagem: www.ciranda.net




Marcha Mundial das Mulheres na luta feminista e anticapitalista. 8 de março. 2007.
Imagem: http://www.sof.org.br/



**Uma homenagem a todas as minhas amigas militantes da vida em suas diferentes dimensões.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Interstício

Imagem: mary-paes.blogspot.com  Foto: Maksuel Martins
Tenho tido a felicidade de descobrir que alguns leitores visitam freqüentemente o blog e pelo menos em três ocasiões deram uma reclamadinha com frases do tipo “não agüento mais abrir o blog e ver aquela imagem do cara fazendo xixi” ou “ver aquele texto do xixi na rua, xixi em pé” etc.

De fato, fevereiro foi um mês atrapalhado pra mim, que sou  uma pessoa não muito organizada, e ainda tem os acréscimos do início do ano, com adaptações de rotina dos filhos, escola, trabalho, tudo isso.

Bom, quem me conhece sabe um pouco da complexidade em que me enfio ao tentar explicar caminhos, opções, defender hipóteses, qualquer coisa na verdade.

Assim, percebi que estava difícil retomar minha escrita no blog porque foram juntando muitas propostas, idéias (eu sei, eu sei, pela nova regra ortográfica não é assim que se escreve idéia, mas sou rebelde a essa nova regra, recuso-me a aceitá-la se não for por obrigação) e, de repente, eu já não sabia mais por onde (re)começar.

Para amansar minha indecisão, decidi quebrar um pouco o jejum desse interstício de escrita para, quem sabe assim, conseguir retomar minha epopéia de reflexão nesse espaço.

Há algumas pendências latentes desde o início do ano, como histórias advindas da minha curtíssima estada em Buenos Aires ou as histórias da Fazenda Pedra Negra, que já renderam alguns causos publicados nesse espaço, mas ainda há muito em mim para falar sobre isso.

Dessa forma, mesmo que um pouco sem aquele calor do momento vivido nos ares portenhos ou da magia inicial de conhecer a Fazenda no comecinho do ano, aproveitando que estou novamente na Pedra Negra, preenchendo o espírito com a energia e os ares mineiros, vou “matar dois coelhos de uma cajadada” aqui no Pouco Açúcar, matando minha saudade de escrever no blog e, ao mesmo tempo, retomando temáticas que me tornam menos ácida e mais degustável ao paladar sensível dos meus queridos e exigentes leitores.

Até muito breve!!!  ;)