terça-feira, 24 de maio de 2011

Violência lá e violência aqui: Felipe Ramos de Paiva e outros assassinatos

Imagem: fenapef.org.br
Quando comecei este post, pensava em inaugurar uma página que estou escrevendo para o Blog, intitulada Curtos. Contudo, em meio ao desenvolvimento do texto fui me dando conta de que a forma como o tema necessita ser tratado não cabia na proposta dos curtos. Assim, seguem algumas reflexões que fiz a partir da morte do estudante Felipe Ramos de Paiva, 24 anos, assassinado semana passada na Cidade Universitária em São Paulo.

Antes de tudo, faço questão de registrar minha solidariedade à família nesse momento de dor e sofrimento profundos.

Ao mesmo tempo, fico triste por pensar nos inúmeros outros jovens assassinados em São Paulo e no Brasil como um todo e que não causam à sociedade a mesma comoção que a morte de Felipe Ramos de Paiva porque o assassinato desses jovens não é divulgado nem debatido com o furor e afinco adotados pela mídia em certos casos. [Atualmente o Brasil está na vergonhosa 6ª posição no ranking mundial de jovens assassinados].

Não costumo assistir jornais televisivos, mas dei uma passada d'olhos nos noticiários e li alguns artigos sobre um caso recente, do assassinato de 2 adolescentes na Grande São Paulo, Raizza Tavares Cruz e Elaine Serra Gomes da Cruz, ambas com 13 anos. Há informações sobre o caso, é verdade, mas não encontrei nada que se compare ao montante de notícias que nos aproximam da história de Felipe Ramos de Paiva.

Enquanto o caso da morte de Raizza e Elaine é tratado de forma, por assim dizer, fria, ou seja, noticiando-se apenas dados técnicos sobre como foi o assassinato, onde foi, qual a motivação etc., até ontem havia notícias-desdobramentos da morte de Felipe com um caráter bastante humanizador e tocante. Em muitos desses artigos e, provalmente, na mídia televisiva, é possível encontrar relatos sobre a vida de Felipe, seus sonhos, suas conquistas, sua profissionalidade e até sobre a vida mais intimista da família após sua morte.

Sem dúvida, depois do caso Isabella Nardoni, considero que é dispensável chamar atenção para a parcialidade da mídia ao visibilizar os casos com os quais se identifica, beirando às vezes ao sensacionalismo.

Entretanto, em minha costumeira ingenuidade fico pensando se mídia e sociedade verdadeiramente sérias e comprometidas com o senso de justiça - como querem parecer na discussão sobre o assassinato de Felipe - não deveriam demonstrar semelhante preocupação com tornar público o debate sobre a morte igualmente trágica de jovens das classes populares, das periferias e das favelas, assassinados de forma brutal e impiedosa, embora velada aos olhos daqueles que acham que isso é problema deles.

Eles, no caso, são todos os que estão sujeitos à violência concreta de traficantes e policiais e a outras violências que se somam e precedem aquela, como a falta de condições dignas de sobrevivência, a precariedade de moradia, educação e saúde e assim por diante.

Ora, não quero minimizar aqui a importância de se noticiar situações trágicas como foi a morte do estudante, mas me incomoda ver tanto compromisso em transformar o assassinato de um filho da classe média em um caso de comoção geral convivendo com uma quase insensibilidade social em relação a outras tragédias envolvendo nossos jovens.

Na minha mocidade lembro o quanto as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, ambas no Rio de Janeiro, geraram a indignação e comoção esperadas de uma sociedade que se pensa alinhada a parâmetros de justiça e aos fundamentos dos direitos humanos. Contudo, passados quase vinte anos, parece que chacinas não escandalizam mais a sociedade brasileira, apenas são noticiadas como tragédias inevitáveis provocadas comumente por "acertos de contas" entre traficantes, policiais corruptos quase nunca identificados, dentre outros.

Passeata em Uruçuca/BA
Imagem: epoliticasulba.blogspot.com
Não parece necessário a essa mesma mídia, que escancara o que poderia ter sido a vida de Felipe Ramos de Paiva, denunciar a morte sumária de milhares de vidas interrompidas todos os anos em chacinas pelo Brasil afora. Ainda que os dados mostrem que a esmagadora maioria de pessoas assassinadas nas favelas são inocentes e/ou não tem passagem pela polícia, permanece o distanciamento do nosso senso de justiça, como se realmente essas mortes não tivessem nada que ver conosco, como se fosse algo pertencente a outro mundo, o mundo deles.

Numa sociedade individualista e materialista como a nossa talvez o esperado seja isso mesmo, uma separação por classes sociais de como é entendida e tratada a violência, como foi por exemplo o Reage São Paulo, movimento organizado pelas classes médias em meados da década de 90 e sobre o qual alguns de nós, ainda estudantes das Ciências Humanas, dizíamos que tinha como motivação o deslocamento da violência, antes restrita às periferias, para os chamados bairros nobres da cidade.

De fato, o Reage São Paulo foi organizado a partir do assassinato de 2 jovens em um assalto no Bar Bodega, na região de Moema, e a pressão sobre o caso foi tamanha que os acusados inicialmente de terem cometido o crime foram torturados para confessarem. Ao proferir sentença contra os verdadeiros assassinos, o juiz deu seu parecer também aos sedentos por justiça do Movimento em questão:

"Essa face hipócrita da sociedade (...) todavia, jamais reagiu quando os filhos de famílias miseráveis, nos confins da periferia regional e social, foram e continuam sendo assassinados. São Paulo reage diante da morte de filhos ilustres, mas não se emociona diante da morte dos filhos dos desprovidos de capacidade econômica que não podem freqüentar casas noturnas de Moema, mas freqüentam os bares dos bairros distantes. 'Reage São Paulo' não reagiu em favor dos nove jovens que foram barbaramente acusados e sofreram para confessar um crime que não cometeram. (...) Alguns desses jovens, que de comum têm a vida infra-humana, a pobreza latente, a falta de esperança de dias melhores, a miséria como companheira constante, a falta de ideal e perspectiva de futuro, a cor da pele, ainda sofrem as conseqüências da perversidade". Dornelles, Carlos. Bar Bodega, um crime de imprensa. São Paulo, Editora Globo, 2007. p. 261.

Infelizmente, parece que as classes médias continuam com os olhos vendados, enxergando apenas a violência cometida contra os seus.

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Principais notícias consultadas:

domingo, 15 de maio de 2011

Algumas ponderações sobre Identidade [Virtual]

Imagem: www.advivo.com.br
Na primeira parte deste texto falei um pouco sobre alguns problemas advindos de um dos últimos bugs do Google, em que contas de email foram desativadas e, por conseguinte, blogs removidos.

Como estive entre os usuários atingidos por esse bug, fiquei alguns dias sem meu email e Blog, o que me levou a essa reflexão sobre identidade [virtual], que tento esmiuçar um pouco nessa segunda parte do post.

Bem, nos idos de 1998, quando comecei a usar a internet e conhecer pessoas nas já meio esquecidas salas de bate-papo, lembro que havia sempre aquele fantasma do "será que a pessoa do outro lado é quem diz ser?" - fantasma ainda não totalmente extirpado, é verdade, mas mais decepcionante na atualidade para ingênuas mocinhas casadoiras ou perigoso para crianças e adolescentes que usam computadores sem nenhuma supervisão ou orientação dos pais.

Contudo, excetuando casos exagerados ou patológicos como esses - em que o objetivo é enganar ou fazer mal a alguém, penso que é necessário considerar ilusória essa idéia de “quem uma pessoa realmente é”, afinal, publicamente, todos usamos nossa máscara social sob a qual se esconde nossa verdadeira identidade - seja no mundo real ou no virtual.

Ora, não é novidade para  ninguém que um about me, assim como frases de efeito ou o que se fez no fim de semana é muito pouco para o real significado de nossa identidade. Assim como no trabalho podemos adotar um padrão de comportamento, de vestimenta ou de vocabulário distante do que gostaríamos mas conveniente para o exigido socialmente pela empresa ou pela nossa função. Ou seja, não se trata de mentir sobre nossa identidade, mas sobre o quanto realmente queremos [ou o quanto é possível permitir] que os outros saibam sobre nós.

De qualquer forma, salvaguardados os parâmetros expostos acima, considero que para aqueles que usam a net de forma séria, buscando divulgar seu trabalho e suas idéias, manter o contato diário com amigos e mesmo conhecer novas pessoas, a identidade virtual tornou-se tão importante quanto a identidade adotada pelas pessoas em outros espaços de suas vidas.

Foi assim que me vi absolutamente perdida quando descobri que não tinha mais acesso ao Gmail - meu email principal - e depois com uma sensação enorme de desconforto  porque grande parte da minha identidade virtual está vinculada a essa conta: para acessar o Fórum Blogger, por exemplo, nesse período tive que usar a conta Gmail de um amigo e, embora eu tenha explicado isso no Fórum, foi muito estranho porque é como se não fosse eu escrevendo ali. O desconforto foi tanto que quando recuperei minha conta e fui postar lá novamente comecei com um “antes de tudo, quero dizer que é muito bom poder voltar a este Fórum como eu mesma (ainda que virtualmente)”.

Depois do susto, fiquei refletindo sobre essa sensação de lacuna porque, para além dos arquivos, discussões e contatos, de fato, era quase como se uma parte de mim tivesse se perdido em meio à confusão gerada na perda dessa nova identidade. Mas de onde vem tamanha força que constitui a formação dessa identidade virtual? É bem possível que não seja da suposta perda concreta de dados, afinal, exceto se um email é criado exclusivamente para arquivo, todos guardamos ali muito mais do que realmente vamos utilizar, e os contatos, bem, os contatos verdadeiramente importantes seguramente poderiam ser recuperados porque são de amigos e de pessoas próximas. Então, qual seria a verdadeira razão de me sentir tão perdida sem minha famigerada identidade virtual?

Considero que talvez a identidade virtual seja algo quase que inerente aos crescidos em meio ao universo das redes sociais, dos sitesblogs, das discussões em listas de emails e das conversas online. Mas para quem viveu uma época em que o celular era supérfluo e a internet era total inimaginável confesso que estou um tanto chocada por me perceber tão parte e, por que não, tão dependente, desse universo virtual.

Fico pensando se chegará o dia em que não bastará mais ao humano simplesmente ser, mas também será imprescindível ser virtualmente.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sem email e sem blog: depois do susto, algumas reflexões

Imagem: www.forum.imasters.com.br
Para os queridos leitores, talvez desavisados do susto que levei esses dias: tive minha conta Gmail desativada pelo Google e, com isso, perdi o acesso a todos os produtos Google tais como orkut, youtube etc. e meu Blog também foi removido, ficando fora do ar durante esse período.

Nos Foruns do Google, de que faço parte há alguns meses, acompanhei o desespero de vários usuários que, como eu, de repente, perderam acesso a seus emails e blogs.

Não sei se posso afirmar que esses chamados bugs têm sido mais freqüentes do que o aceitável, mas o fato é que há coisa de 2 semanas mais de 200 blogs foram removidos devido a um "bug do sistema automatizado de revisão" assim como no mês de dezembro do ano passado. Também no final de fevereiro outro bug atingiu milhares de usuários que tiveram suas contas desativadas e essa semana novamente.

No Fórum Blogger falei um pouco sobre a necessidade de nos prevenirmos contra esse tipo de situação, já que:

  1. nenhum sistema ou máquina é perfeito e está 100% isento de panes e problemas;
  2. enquanto o problema está sendo resolvido, você não fica a mercê;
  3. ainda que você se sinta lesado e processe judicialmente etc., nada disso vai fazer você recuperar os dados perdidos.

Até lembrei de um exemplo a partir de uma atitude minha, meio demodé para os padrões modernos da atualidade, mas que considero necessária enquanto prevenção: já há alguns anos passei a adotar uma saudosa caderneta com telefones, depois que vi muitos amigos meus perderem todos os seus contatos porque o celular morreu ou foi roubado.

Ou seja, fatalidades acontecem e, no caso dos bugs por exemplo, independente da responsabilidade do Google, o melhor é sermos mais prevenidos para não sermos 'pegos de calças curtas' nem ficarmos sofrendo além do necessário.

Mas mais do que informar sobre esses imprevistos e seus percalços, quero dividir com vocês algumas reflexões que fiz sobre essa perda momentânea de minha identidade virtual, como é chamada a identidade no ciberespaço.

Inicialmente, essa reflexão integrava este post mas, atendendo a pedidos, dividi o texto em duas partes. Assim, na segunda parte, trato especificamente do tema identidade [virtual].