Outro dia soube que um amigo abandonou o mestrado.
Ele não trancou a matrícula para continuar num outro momento, não pediu prorrogação de prazo nem mudou de área, o que fez foi desistir do curso definitivamente. Um curso, vale ressaltar, numa universidade pública, numa área concorrida e promissora profissionalmente.
Uma atitude certamente incompreensível, até mesmo inaceitável se considerarmos o mercado de trabalho, a necessidade de especialização profissional, o prestígio de um curso numa universidade renomada, dentre outros fatores que podem influenciar no sucesso da carreira e no exercício da profissão.
Claro que não são todos os cursos em uma universidade pública que garantem uma carreira promissora e se alguém decide abandonar um curso que oferece pouco retorno profissional e financeiro é até mais compreensível e aceitável.
Mas conseguir ingressar num mestrado nessas condições e jogar tudo para o alto no meio do caminho é quase uma heresia acadêmica e profissional.
Por outro lado, por que sempre é tão difícil compreender uma decisão que não esteja alinhada ao que parece ser “o melhor”? Afinal, existem parâmetros óbvios que podemos tomar como referência para uma decisão desse porte, não é mesmo?
No contexto das opções no universo acadêmico, por exemplo, pedir transferência de um curso como Arquitetura e ir para a Geografia ou sair do Direito e ir para História ou mesmo prestar Letras ou Ciências Sociais (Filosofia, então, nem se fala) ao invés de Administração ou Engenharia - ainda mais se a pessoa é considerada “inteligente“ e bem preparada para o vestibular - é algo igualmente incompreensível na maior parte dos casos e já vi muita peleja entre pais e filhos por causa desse tipo de decisão.
A questão é que o parâmetro para o que “é melhor” não tem como foco o que a pessoa quer, o que sente, o que gosta e o que a faz feliz. O que torna absurda uma atitude como a tomada por este meu amigo são as considerações feitas por essa sociedade racional e mercadológica, na qual o importante é você fazer algo em que esteja implícito o sucesso profissional e financeiro, independente se isso te faz feliz ou não.
Aliás, como pude me esquecer? Nessa sociedade é piegas falar em felicidade baseada numa referência mais interna e pessoal, afinal, se você é alguém de sucesso, que conseguiu “chegar lá”, com certeza será feliz, não é assim? Infeliz com certeza será aquele que se contenta com pouco, que tendo a oportunidade de fazer um curso de alto padrão e reconhecimento social opta por um daqueles cursos que já falei aqui, que formam profissionais pouco valorizados socialmente e no mercado de trabalho, leia-se, especialmente, professores.
Assim, não é incomum ouvir a história de um advogado frustrado que queria ter feito Música ou Artes Plásticas, de um engenheiro que queria ser historiador ou filósofo, de um jornalista que queria ser ator, porque ainda há jovens às pencas que entram na universidade influenciados - e até mesmo obrigados - não pelo que querem, mas pelo que seus pais acham que é melhor para eles, baseado nesse pressuposto de que se o cara quer fazer arte, teatro ou filosofia, depois vai viver do quê? Não, precisa fazer um curso que garanta seu futuro, então tem que ser Engenharia, Medicina, Administração. Não importa muito se o cara vai ficar frustrado em seus desejos, naquilo que quer e que o faz feliz, o importante é que tenha um “futuro profissional”.
Mas como eu já disse, ser feliz para quê, não é?, o importante é ser uma pessoa de sucesso, com um trabalho promissor, que garanta adquirir todos os bens de consumo que a sociedade impõe como necessários para que, aí sim, sejamos felizes. A felicidade, nesse contexto, não é fazer escolhas que estejam de acordo com o que queremos de verdade, com o que faz sentido ou nos completa, mas fazer escolhas que garantam retorno financeiro e um determinado padrão social.
Observe, no entanto, que é possível ser professor ou artista e viver disso profissionalmente. Talvez seja um pouco mais difícil porque no mundo capitalista não há tanta necessidade de arte nem de educação, então, para que valorizar profissionais dessas áreas? Mas, ainda assim, seguramente é possível viver dignamente tendo essa formação.
A questão é que ser feliz na sociedade contemporânea implica muito mais que viver dignamente, há um conjunto de supostas necessidades materiais que precisam ser supridas e que com um salário mais modesto às vezes fica complicado.
O fato é que, neste mundo contemporâneo, fazer escolhas que não estejam dentro dos padrões aceitáveis da organização racional-capitalista gera pressão social e faz com que esse tipo de atitude pareça absurda. Mas é absurdo abandonar o que não faz sentido e nem faz feliz? É absurdo largar algo que não foi exatamente escolha própria, voltar atrás quando percebemos que fomos enredados pelas escolhas dos outros, sejam nossos pais, seja a sociedade? É absurdo abandonar algo que nos disseram que era o melhor porque garantia sucesso, progressão profissional e financeira se, na verdade, não é isso que queremos realmente?
Em prol de quê há que se seguir um caminho assim? Para não desagradar aos pais? Porque eles acham que é o melhor caminho? Porque tivemos oportunidade em meio a tantas outras pessoas que tentaram e não conseguiram? Porque isso garantiria o sucesso profissional?
Bem, sempre é possível ir na contramão desse padrão de escolha e sentir-se muito feliz. Foi o que fez meu amigo ao abandonar seu mestrado na USP.