quinta-feira, 9 de junho de 2011

"Dizem que ela existe pra ajudar, dizem que ela existe pra proteger"

Imagem: www.aqueimaroupa.com.br
Era por volta de 21h15 de ontem quando estacionei próximo à praça dos bancos na Cidade Universitária. O trânsito lento e uma movimentação pouco comum na via do outro lado me chamaram a atenção e logo descobri o que estava acontecendo: uma blitz.

Dois carros da Polícia Militar, três motos - que não consegui identificar se eram deles também ou da Segurança do Campus, - alguns cones e meia dúzia de PMs, uns ostentando suas armas e outros sua envergadura de autoridade, paravam veículos, conferiam documentos e apontavam lanternas para os carros que tinham permissão de continuar seu trajeto.

Considerando-se o ocorrido há cerca de duas semanas na USP e o clamor que prevaleceu em torno da necessidade da PM no campus e do suposto bom senso que essa ação representaria, imagino eu que a razão dessa blitz seria a segurança dos que transitam pela Cidade Universitária.

Contudo, a julgar pelo padrão dos três carros que vi parados - motoristas do lado de fora e policiais fazendo seu trabalho - não me parece que seus proprietários sejam do tipo que assaltam estudantes a mão armada nas imediações de caixas eletrônicos.

Fiquei me perguntando então, em minha já conhecida ingenuidade, o que justificaria uma blitz no final do expediente de funcionários e saída tanto deles quanto de estudantes e professores da universidade.

Ah, sim, claro, em algum desses veículos poderia estar um seqüestrador com sua vítima, afinal, é a região próxima aos bancos e todos estamos muito bem informados de que houve uns tantos seqüestros-relâmpagos na USP nos últimos tempos.

Ora, evidentemente, imagino que se a polícia tivesse a sorte de pegar um flagrante desses teria meios de discernir entre um seqüestrador e um membro da comunidade USP, portanto, a julgar pela forma como os policiais conversavam, imagino também que nenhum daqueles jovens estava no papel de seqüestrador naquele momento.

Manifestante em passeata contra o aumento da tarifa de ônibus.
São Paulo, fevereiro de 2011.
Imagem: http://colunadleitor.blogspot.com
Até porque, como é de conhecimento de qualquer um que acompanhe minimamente os noticiários, por bem menos que a suspeita de um seqüestro, os PMs costumam ser muito mais incisivos, por assim dizer.

Na USP mesmo, logo nos primeiros dias em que a presença da polícia no campus foi legitimada pelos que reivindicaram para si os arautos da razão, um amigo me contou que estava chegando à FFLCH quando dois policiais desceram do carro empunhando armas em riste e fizeram uma abordagem desnecessariamente truculenta a um garoto negro
que andava por ali de chinelos e com aquele visual que todos podemos imaginar.

Mas esse tipo de atitude não parece incomodar aqueles que defendem que a  presença da polícia por si só inibirá os chamados criminosos. O interessante é que muitos que adotaram esse discurso e justificam a polícia no campus porque a Cidade Universitária é uma extensão do município são os mesmos que defendem que a USP se feche às chamadas pessoas estranhas à comunidade uspiana, como, por exemplo, motoristas que utilizam-na como rota de fuga do trânsito ou estacionam seus carros em locais estratégicos para dali pegar ônibus e seguir para seus destinos.

Não sei o que o nobre leitor pensa, mas tenho a nítida sensação de dois pesos e duas medidas nesse discurso. Além disso, acho surpreendente essa publicidade em torno da violência na USP porque há anos ouço relatos de inúmeros assaltos e seqüestros-relâmpagos no entorno da universidade e nunca vi nenhuma movimentação dessa monta das instituições de segurança pública para que houvesse mais policiamento nas redondezas. E olha que estamos falando de uma região privilegiada socialmente. Fico pensando se fôssemos considerar que polícia e segurança estão intrinsecamente tão ligados quanto se quer fazer parecer no caso da USP, se não seria coerente da parte do governo demonstrar a mesma preocupação que tem demonstrado com a segurança dos uspianos em relação à segurança de todos os outros cidadãos, especialmente aqueles que moram e trabalham em bairros de alta periculosidade.

Entendo que se trata de uma questão polêmica que, na minha opinião, jamais encontrará um consenso mínimo, mas penso que com a vinda definitiva da polícia para o campus sem um debate sério e aprofundado perdemos a oportunidade de refletir e situar em bases atuais a posição contrária de boa parte da comunidade acadêmica a essa decisão, contextualizada à época da ditadura.

Como sou das que pensa que polícia e segurança não são excludentes mas também não são siamesas, considero que o resultado dessa história é, sobretudo, simbólico. Por um lado, a comunidade uspiana tem agora uma sensação simbólica de segurança e, por outro, as instituições conservadoras representadas pela Polícia Militar conseguiram finalmente diluir os restolhos da sutil resistência acadêmica ao que simboliza o aparelho repressor estatal em voga desde à época da ditadura.

Polícia na USP. 2009.
Imagem: www.psolsp.org.br
De qualquer forma, voltando ao mote desse post e considerando-se o objetivo dos defensores do valoroso trabalho dos policiais, ou seja, a segurança no campus, não sei se faz muito sentido termos tantas blitz na USP - essa foi a 2ª que tomei conhecimento em menos de três semanas. E a julgar pelo tempo que fiquei esperando ali estacionada e o fato de que quando fui embora os jovens motoristas ainda permaneciam no local, inevitavelmente, pensei em habilitações e documentos vencidos ou na falta deles.

Mas espero sinceramente que os defensores dessa política de segurança estejam sentindo-se melhor e mais seguros agora na Cidade Universitária.