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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Terceirizado: um não-funcionário em um não-lugar

Assembléia de Funcionários Terceirizados em Greve na USP. 2011.
Imagem: http://nucleopaoerosas.blogspot.com/
A primeira vez que lembro de ter ouvido o termo terceirizado foi ainda na minha mocidade, quando eu trabalhava num escritório no interior de São Paulo. A minha então chefe explicava como uma outra empresa do ramo da construção civil tinha demitido funcionários e contratado, por meio de outra empresa, pessoas para fazerem o serviço.

Naquela altura aquilo me soou meio sem sentido porque 1) era difícil imaginar como seria a convivência com pessoas estranhas à empresa e 2) se a tal construtora tinha que pagar uma outra empresa para esta, por sua vez, pagar os funcionários, por que não fazê-lo diretamente contratando essas pessoas, ao invés de fazer o mesmo trabalho duas vezes?

Pois bem, com uma compreensão de mundo um pouco menos limitada do que naquela época, hoje costumo dizer que a terceirização dos serviços, se não foi a maior de todas as sacadas do capitalismo, com certeza foi uma das maiores e melhores para o que o sistema capitalista sabe fazer de melhor: explorar e enriquecer à custa de outrem.

Sejamos justos, realmente os caras que pensaram na terceirização foram muito inteligentes e perspicazes.

Vejamos, por exemplo, uma empresa considerada decente no mercado, que obedeça às leis trabalhistas e, eventualmente, tenha certo renome, não pode ter em seu quadro funcionários sem registro em carteira. Além disso, a depender do status e da seriedade de tal empresa, haverá benefícios que façam jus à qualificação de seu quadro funcional, ou seja, há um custo social e financeiro implicado na vinculação de um funcionário pelo registro em carteira.

Contudo, é possível que o terceirizado custe à essa mesma empresa o equivalente a um funcionário sem registro na carteira de trabalho, já que não tem acesso aos benefícios da empresa e, seguramente, seu salário será menor, ainda que o trabalho seja o mesmo de um funcionário contratado oficialmente pela empresa. Contudo, diferente do que representa juridicamente um funcionário sem registro, a terceirização é legitimada pelo sistema.

Além disso, não bastasse a diminuição de gastos no quadro de pessoal e a conseqüente ampliação dos lucros, a outra vantagem da terceirização é bem mais profunda porque é, antes de tudo, de cunho ideológico, seja, a perniciosa forma como o funcionário terceirizado fica deslocado socialmente em todas as dimensões que dizem respeito a seu espaço de trabalho.

Nem vou abordar aqui o fato de que a terceirização, sem dúvida, favorece a fragmentação de qualquer organização política ou trabalhista dos funcionários, porque como imagino que não haja empresa no mundo estruturada com vistas a fomentar a organização de trabalhadores considero que esse não é o cerne da questão.

Porém, a terceirização vai muito além do objetivo de desorganizar movimentos sociais, porque o terceirizado é um não-funcionário em um não-lugar: ele não tem vínculo algum com a empresa em que trabalha temporariamente e, não raro, quase que não tem vínculo também com a empresa que o contratou.

Certa vez, uma funcionária terceirizada da Faculdade de Educação da USP me contou que a empresa dela não tinha nem escritório, que toda a contratação era feita na própria USP, numa espécie de QG alocado em uma das unidades de lá.

Esse é um fator importante: é difícil haver um escritório ou alguém a quem o terceirizado possa se reportar e, se há, é sempre em um local bem inacessível. Já ouvi dos terceirizados da FE-USP, que em geral moram na região próxima à universidade, que os escritórios das empresas ficavam em Santana, Itaquera e até no ABC, o que também dificulta qualquer vínculo institucional desses funcionários com outros da mesma empresa tanto por essa fragilidade de existência enquanto grupo quanto pela rotatividade e distância dos lugares a que são enviados.

Ora, ainda que inaceitável para alguém com um senso mínimo de humanidade, é possível entender que essas práticas perniciosas e ofensivas à dignidade humana sejam adotadas por empresas cujo objetivo único é lucrar, se pensamos nos padrões materialistas do chamado capitalismo selvagem.

Passeata de Terceirizados em Greve na USP. 2011.
Mas como explicar que instituições públicas como a Universidade de São Paulo - que se orgulha de “integrar um seleto grupo de instituições de padrão mundial” e de ser responsável pela pesquisa e a formação “em prol do desenvolvimento da sociedade brasileira e do mundo” - adotem em seu quadro um sem-número de funcionários terceirizados trabalhando em condições indignas, praticamente reduzidos à semi-escravos?

Bem, não sei se há realmente alguma explicação razoável para isso, mas na segunda parte deste texto tratarei um pouco mais especificamente da terceirização nesse âmbito. Por ora, considero que a greve dos terceirizados na USP expôs publicamente um outro lado, que a Universidade de São Paulo tenta manter escondido atrás de sua imagem social de universidade de excelência.

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Leia mais sobre a Greve de Terceirizados da USP em:

 


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

2010: O pós-greve e nós, os sedentos por transformação - Parte Final

Bom, ainda que a estrutura do texto completo esteja um tanto extensa e amealhada de subtextos, se você chegou até aqui, sugiro que tenha um pouco mais de paciência porque, mesmo sem o rigor acadêmico ou a “enxutez” tão conveniente aos escritos para a internet, talvez um pouco dessa prolixidade seja necessária para arredondar minimamente o que está sendo longamente exposto neste ensaio de reflexão.

Pois bem, estava eu dizendo que após a greve de 2007 eu tinha em mente não participar de outra greve.


Funcionários e estudantes em frente à reitoria da USP.
Contudo, neste ano tivemos greve novamente nas estaduais paulistas e a razão desta vez, a meu ver, era muito mais política que salarial. Não que a luta por salário não seja política, além de justa e necessária, mas do meu ponto de vista a discussão sobre a isonomia salarial entre docentes e funcionários ultrapassa a questão salarial em si: trata-se, sobretudo, de uma concepção de universidade, porque traz para o debate o reconhecimento de que o trabalho dos funcionários técnico-administrativos é tão importante para a universidade quanto o trabalho docente.


Nesse sentido, considero que a valorização, por igual, do trabalho de funcionários e docentes na forma de reajuste salarial foi conquistada em um momento em que, embora com naturezas distintas, tanto um quanto outro foram considerados importantes para a constituição da universidade.

Nesse contexto, lá fomos nós novamente, re-experienciar a sensação de coletivo capaz de transformar.


Mas o que me moveu a essa longa reflexão foi a reedição da vivência do que parece ser quase uma máxima que dá a tônica a todo movimento grevista: conquistas ficam sempre aquém das propostas mais profundas de transformação. Além disso, qualquer proposta que tenha como pressuposto a continuidade da discussão e o envolvimento dos sedentos por mudanças jamais sobreviveu organicamente ao movimento.


O fato é que, apesar de vivermos uma insatisfação cotidiana com a maior parte dos espaços dos quais fazemos parte e com as relações que interferem em nossa vida, ser um indivíduo ativo para a transformação do que nos incomoda é algo que parece não aprazer muito o sujeito contemporâneo médio.


O movimento grevista parece sacudir essa insatisfação – vivida diariamente, é importante que se diga, mas talvez adormecida no dia-a-dia muito mais acadêmico que questionador do mundo da universidade. De certa forma, não é difícil imaginar que o universo uspiano, apesar de pretensamente mobilizador e transformante, não favorece um cotidiano diferenciado politicamente daquele coberto das limitações vividas em qualquer outro espaço social.

A bem da verdade, ainda que nossa tradicional insatisfação seja sacudida durante o movimento grevista dando lugar a certo afã por mudanças drásticas e urgentes, esse desejo voraz logo perde sua força no pós-greve, à medida que vamos voltando a nossa rotina e ao nosso cotidiano tão ainda cheio de insatisfações mas, ao mesmo tempo, tão apropriado já as nossas necessidades diárias de indivíduos contemporâneos acomodados.


Funcionários votam em assembléia pelo fim da greve.
Foi assim que a greve terminou aqui na Faculdade de Educação, com nosso grupo unido e tecnicamente envolvido com a materialização daquela antiga proposta, que já comentei neste ensaio de reflexão, de que para que ocorram mudanças seria necessário estimular a discussão e o debate, na perspectiva de que uma transformação consistente começa no cotidiano das relações, no micro- espaço político de convivência.

Pois bem, é preciso primeiro dizer que num contexto de pós-greve, para que uma proposta seja organizada - leia-se: chegue ao papel - é necessário muito mais que uma daquelas falas calorosas e envolventes tão típicas do movimento. Envolvidos já em seu cotidiano de trabalho e de vida, até organizar uma reunião para que as pessoas possam conversar torna-se bastante trabalhoso. Assim, conversa-se e discute-se por email, mas as respostas são tão poucas e esparsas que geram um sentimento que beira a solidão, evidenciando o esvaziamento daquele comprometimento também tão típico aos militantes durante o movimento grevista.


Na tentativa de que todo aquele furor coletivo e engajado não se esvaia completamente você envia mais mensagens eletrônicas, lembra o grupo das tarefas necessárias para que a coisa aconteça, cutuca um pouco com seu pessimismo chamando aqueles com brios mais sensíveis a críticas e sente o peso dos mais e mais dias que se passam até outro pequeno passo ser dado.


O fato de haver tanta demora não chega a ser um problema, afinal, transformações tem que estar num contexto processual e, além do mais, no pós-greve há muito que se fazer na volta ao trabalho - caso não haja, às vezes trata-se de uma questão de segurança mostrar-se bastante ocupado para evitar pensamentos equivocados de que você não é tão necessário à universidade. Além disso, não é incomum a sensação de estar em dívida com o trabalho ou com os olhares avaliativos dos colegas num pós-greve, então, mesmo para aqueles grevistas convictos muitas vezes torna-se difícil envolver-se em mobilizações de qualquer tipo após a volta ao trabalho, é necessário fugir ao estereótipo de alguém que não está se dedicando a seus afazeres tal como manda a cartilha do que é ser um bom e imprescindível funcionário.


Portanto, a demora para a organização das tais propostas não é o problema central, a questão é perceber essa desmobilização letal, que vai lentamente tomando conta até dos militantes mais engajados, daqueles que contribuíram significativamente para fortalecer e enriquecer o movimento.


Penso que, se na Faculdade de Educação demoramos quase 2 meses para organizar uma proposta no papel, para conseguir fazê-la sair do papel rumo a uma efetiva transformação (considerando-se as baixas de participantes ao longo desse processo) é possível que sejam dispensados aí mais alguns anos, tal como iniciei minha reflexão, observando a referência das propostas feitas em 2007 - e não concretizadas, é bom lembrar.


Talvez eu esteja sendo injusta com meus dois companheiros que ainda estão envolvidos de forma ativa nesse processo de pós-greve transformador, confesso que eles são a única razão que me faz não finalizar esse ensaio sem esperança alguma. Mas minha questão é que não se faz biju sem farinha e não tenho certeza sobre o quanto de fôlego teremos para trabalhar por um coletivo que, aparentemente, não quer transformar o espaço a seu redor e talvez nem tenha interesse em ser um coletivo.


Infelizmente, parece que com o último suspirar do movimento grevista também suspiramos de alívio por poder voltar ao nosso dia-a-dia em uma universidade que não é a que queremos, mas que é a possível nesse sistema que nos acolhe, nos acomoda e nos torna acomodados.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Nós e a Greve – Parte II: 2007

Passeata na Avenida Paulista.
Depois da greve de 2007 na USP eu tinha pensado em não participar de outra greve novamente, porque fiquei com a sensação de que o desgaste não compensa as poucas conquistas que advém do movimento.

Parênteses: não quero dizer com isso que a greve não seja válida ou necessária, pelo contrário, acredito  que   sem  ela   muito   do   que   foi   conquistado  em relação a salários ou direitos trabalhistas estaria engavetado sem talvez sequer ter sido discutido.

A questão é que, na maior parte dos casos, algumas conquistas tornam-se insignificantes quando comparadas a todas as propostas de mudança que surgem na discussão política durante o momento de greve.

Ora, essa talvez seja a maior conquista coletiva do movimento, porque é durante a greve que acontecem discussões que permitem uma politização quase inviabilizada pelo cotidiano de trabalho. Durante a greve também é possível conhecer seus colegas de trabalho em outro contexto e partilhar, inclusive com divergências, suas opiniões políticas.

A greve é, sobretudo, um momento de grande aprendizado político e de cidadania.

Quem passa pela universidade e se exime de participar das discussões que permeiam uma greve, quem nunca foi a uma manifestação, nunca participou de uma assembléia, pode estar perdendo uma grande oportunidade de vivenciar por dentro um movimento político, inclusive para fazer críticas com conhecimento de causa.

Para além das discussões sobre salário e condições de trabalho, permanência estudantil e outras reivindicações, por assim dizer, mais pontuais, durante a greve surgem discussões de âmbito mais amplo que, dentre outras, questionam as instâncias (que deveriam ser) democráticas na universidade, as formas de relação institucional, além de outras, como por exemplo a relação entre universidade e sociedade.

Assembléia de estudantes.


Pois bem, na greve de 2007 na Universidade de São Paulo, gestão da Profa. Suely Villela, quando a reitoria havia sido ocupada por estudantes algumas semanas antes de deflagrada a greve de funcionários, a universidade virou um palco político no qual foram   travadas   discussões profundas sobre   o  papel  da
universidade, sua democratização e por aí afora.

Envoltos nesse clima que inspirava a mudança, lembro que houve uma plenária na Faculdade de Educação que congregou funcionários, estudantes e docentes para discutir questões internas à faculdade. Esse debate trouxe à tona a necessidade de espaços democráticos que viabilizassem uma discussão contínua em que todos os segmentos tivessem participação; um docente que era chefe de um departamento chegou a fazer um mea culpa dizendo que ele próprio, devido ao cotidiano intenso de trabalho, não conseguia tempo para propor e efetivar espaços concretos que permitissem a participação e discussão coletivas.

Evidentemente, todos concordaram com a necessidade de aproximação entre docentes, funcionários e professores através do diálogo, da partilha das necessidades de cada um no espaço de trabalho e alguém lembrou a dificuldade de que esse tipo de discussão e decisão sobreviva ao fim da greve muito em função do cotidiano de trabalho. Por conta disso, ali se firmou um acordo de que seriam garantidas, de alguma forma, a continuidade e aprofundamento dessas discussões para que as tais das mudanças fossem pensadas e implementadas e tudo o mais.

Bem, passados mais de 3 anos nada aconteceu nesse sentido. E eu, como pessimista que sou, fiquei me questionando se mesmo vivendo um momento político tão forte como o instaurado em 2007 - com uma greve de funcionários e a ocupação da reitoria que permitiram uma militância consciente e segura de sua força para reivindicar direitos – nada mudou profundamente na estrutura da universidade, ou pelo menos nada mudou em um local onde sei que isso foi pauta de discussão com acordo e tudo, que situação política tornará isso será possível? Que movimento trará condições favoráveis a essas mudanças mais consistentes nas relações institucionais, no cotidiano, na dinâmica da universidade?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Nós e a Greve – Parte I: 2010

Ato na Rua Itapeva.
Passado em torno de um mês e meio do fim da greve de funcionários nas universidades estaduais paulistas, tudo volta ao normal na Universidade de São Paulo: bandejões, circulares, atendimento ao público em geral e outras atividades diretamente ligadas ao trabalho dos funcionários.

Também volta ao normal especialmente o espírito dos que como nós – sedentos por mudanças – queríamos contribuir para a transformação da universidade em um espaço mais democrático e, quiçá, intervir no debate de problemas que envolvem a sociedade brasileira e até questionar e denunciar questões que extrapolam nossas fronteiras.

A participação ativa e diária no movimento, nas discussões sobre a universidade, nas assembléias calorosas em que os companheiros do comando de greve sempre exaltam a força e a importância do movimento com palavras de ordem que nos fazem acreditar que é realmente possível modificar a estrutura tradicional e enraizada da burocracia universitária: esse dia-a-dia mergulhado na militância nos torna ativistas, lutadores, ‘revolucionários’ e otimistas quanto às possibilidades de transformação da universidade e, quem sabe, até de nós mesmos enquanto sujeitos nessa luta. Isso porque nos momentos mais intensos chegamos a acreditar que seremos capazes de encampar uma luta orgânica e consistente a ponto de conquistar a tão sonhada universidade “democrática e de qualidade para todos“.

Pois bem, talvez por conta da imersão na discussão política, talvez pela sensação de um coletivo comum e organizado, o fato é que, durante a greve, sentimo-nos mobilizados para enfrentar os problemas de organização da universidade, tais como a forma como as relações se dão, o pouco diálogo entre os setores, o cotidiano árido de discussões para melhorias que façam sentido, a permanência de questões que se arrastam há anos, a falta de espaços democráticos que sejam escuta e encaminhamento de propostas efetivas de transformação.

Contudo, sabedores de que o movimento está limitado a um determinado período e que essa transformação, por assim dizer, mais substancial, carece de um tempo maior de debate e aprofundamento e, especialmente, de envolvimento mais efetivo de todos os segmentos, surge a proposta para a continuidade da discussão dessas questões no pós-greve.

Na FE, por exemplo, a partir desse debate, neste ano a ideia foi intervir para um espaço cotidiano de trabalho mais politizado, no qual todas as categorias – funcionários, docentes e alunos – pudéssemos discutir as relações institucionais numa perspectiva mais atuante e, assim, preparar o território político para as representações nas diferentes instâncias da universidade.