quinta-feira, 2 de setembro de 2010

2010: O pós-greve e nós, os sedentos por transformação - Parte Final

Bom, ainda que a estrutura do texto completo esteja um tanto extensa e amealhada de subtextos, se você chegou até aqui, sugiro que tenha um pouco mais de paciência porque, mesmo sem o rigor acadêmico ou a “enxutez” tão conveniente aos escritos para a internet, talvez um pouco dessa prolixidade seja necessária para arredondar minimamente o que está sendo longamente exposto neste ensaio de reflexão.

Pois bem, estava eu dizendo que após a greve de 2007 eu tinha em mente não participar de outra greve.


Funcionários e estudantes em frente à reitoria da USP.
Contudo, neste ano tivemos greve novamente nas estaduais paulistas e a razão desta vez, a meu ver, era muito mais política que salarial. Não que a luta por salário não seja política, além de justa e necessária, mas do meu ponto de vista a discussão sobre a isonomia salarial entre docentes e funcionários ultrapassa a questão salarial em si: trata-se, sobretudo, de uma concepção de universidade, porque traz para o debate o reconhecimento de que o trabalho dos funcionários técnico-administrativos é tão importante para a universidade quanto o trabalho docente.


Nesse sentido, considero que a valorização, por igual, do trabalho de funcionários e docentes na forma de reajuste salarial foi conquistada em um momento em que, embora com naturezas distintas, tanto um quanto outro foram considerados importantes para a constituição da universidade.

Nesse contexto, lá fomos nós novamente, re-experienciar a sensação de coletivo capaz de transformar.


Mas o que me moveu a essa longa reflexão foi a reedição da vivência do que parece ser quase uma máxima que dá a tônica a todo movimento grevista: conquistas ficam sempre aquém das propostas mais profundas de transformação. Além disso, qualquer proposta que tenha como pressuposto a continuidade da discussão e o envolvimento dos sedentos por mudanças jamais sobreviveu organicamente ao movimento.


O fato é que, apesar de vivermos uma insatisfação cotidiana com a maior parte dos espaços dos quais fazemos parte e com as relações que interferem em nossa vida, ser um indivíduo ativo para a transformação do que nos incomoda é algo que parece não aprazer muito o sujeito contemporâneo médio.


O movimento grevista parece sacudir essa insatisfação – vivida diariamente, é importante que se diga, mas talvez adormecida no dia-a-dia muito mais acadêmico que questionador do mundo da universidade. De certa forma, não é difícil imaginar que o universo uspiano, apesar de pretensamente mobilizador e transformante, não favorece um cotidiano diferenciado politicamente daquele coberto das limitações vividas em qualquer outro espaço social.

A bem da verdade, ainda que nossa tradicional insatisfação seja sacudida durante o movimento grevista dando lugar a certo afã por mudanças drásticas e urgentes, esse desejo voraz logo perde sua força no pós-greve, à medida que vamos voltando a nossa rotina e ao nosso cotidiano tão ainda cheio de insatisfações mas, ao mesmo tempo, tão apropriado já as nossas necessidades diárias de indivíduos contemporâneos acomodados.


Funcionários votam em assembléia pelo fim da greve.
Foi assim que a greve terminou aqui na Faculdade de Educação, com nosso grupo unido e tecnicamente envolvido com a materialização daquela antiga proposta, que já comentei neste ensaio de reflexão, de que para que ocorram mudanças seria necessário estimular a discussão e o debate, na perspectiva de que uma transformação consistente começa no cotidiano das relações, no micro- espaço político de convivência.

Pois bem, é preciso primeiro dizer que num contexto de pós-greve, para que uma proposta seja organizada - leia-se: chegue ao papel - é necessário muito mais que uma daquelas falas calorosas e envolventes tão típicas do movimento. Envolvidos já em seu cotidiano de trabalho e de vida, até organizar uma reunião para que as pessoas possam conversar torna-se bastante trabalhoso. Assim, conversa-se e discute-se por email, mas as respostas são tão poucas e esparsas que geram um sentimento que beira a solidão, evidenciando o esvaziamento daquele comprometimento também tão típico aos militantes durante o movimento grevista.


Na tentativa de que todo aquele furor coletivo e engajado não se esvaia completamente você envia mais mensagens eletrônicas, lembra o grupo das tarefas necessárias para que a coisa aconteça, cutuca um pouco com seu pessimismo chamando aqueles com brios mais sensíveis a críticas e sente o peso dos mais e mais dias que se passam até outro pequeno passo ser dado.


O fato de haver tanta demora não chega a ser um problema, afinal, transformações tem que estar num contexto processual e, além do mais, no pós-greve há muito que se fazer na volta ao trabalho - caso não haja, às vezes trata-se de uma questão de segurança mostrar-se bastante ocupado para evitar pensamentos equivocados de que você não é tão necessário à universidade. Além disso, não é incomum a sensação de estar em dívida com o trabalho ou com os olhares avaliativos dos colegas num pós-greve, então, mesmo para aqueles grevistas convictos muitas vezes torna-se difícil envolver-se em mobilizações de qualquer tipo após a volta ao trabalho, é necessário fugir ao estereótipo de alguém que não está se dedicando a seus afazeres tal como manda a cartilha do que é ser um bom e imprescindível funcionário.


Portanto, a demora para a organização das tais propostas não é o problema central, a questão é perceber essa desmobilização letal, que vai lentamente tomando conta até dos militantes mais engajados, daqueles que contribuíram significativamente para fortalecer e enriquecer o movimento.


Penso que, se na Faculdade de Educação demoramos quase 2 meses para organizar uma proposta no papel, para conseguir fazê-la sair do papel rumo a uma efetiva transformação (considerando-se as baixas de participantes ao longo desse processo) é possível que sejam dispensados aí mais alguns anos, tal como iniciei minha reflexão, observando a referência das propostas feitas em 2007 - e não concretizadas, é bom lembrar.


Talvez eu esteja sendo injusta com meus dois companheiros que ainda estão envolvidos de forma ativa nesse processo de pós-greve transformador, confesso que eles são a única razão que me faz não finalizar esse ensaio sem esperança alguma. Mas minha questão é que não se faz biju sem farinha e não tenho certeza sobre o quanto de fôlego teremos para trabalhar por um coletivo que, aparentemente, não quer transformar o espaço a seu redor e talvez nem tenha interesse em ser um coletivo.


Infelizmente, parece que com o último suspirar do movimento grevista também suspiramos de alívio por poder voltar ao nosso dia-a-dia em uma universidade que não é a que queremos, mas que é a possível nesse sistema que nos acolhe, nos acomoda e nos torna acomodados.

5 comentários:

Leonardo disse...

Já temos 36 assinaturas sem sair do lugar. Acho que hj chegamos a 50. Fora as assinaturas da biblio e da EA. Estou começando a achar que o problema será o pós-parto (rs). Fé na luta...( https://www.livrarialoyola.com.br/detalhes.asp?secao=livros&CodSub=1&ProductId=267834&Menu=298# ) não li mais ainda vou ler para ver qual a pegada.

Marina Macambyra disse...

Pois é, Jany. Você toca em pontos muito importantes. O mais importante, no meu entender: como trabalhar com a nossa insatisfação cotidiana sem estar em greve? Fazendo o que eu faço sempre, que é enfiar a cara no trabalho? Esperando a próxima greve? Fazendo blogs? Pelo menos isso é divertido, não?

Jany Canela disse...

Oi Marina, em relação a isso, vou citar algo q você escreveu em algum momento no seu blog durante a greve: os blogs nos ajudam a manter nossa sanidade nesses momentos difíceis :-)
Ou então posso citar uma frase antiga, dos tempos em q trabalhei no miolo do capitalismo, em loja de shopping center: "a gente ganha pouco mas se diverte" - com o blog ;)

E Léo, acho q você entendeu o cerne da coisa: o pós-parto... quanto ao livro da Maria Vitória, se depois de ler achar q ajuda a minimizar meu conhecido pessimismo, me dê um toque.

Anônimo disse...

Olá Jany.

Desculpe a imensa demora em retribuir a visita que fez ao meu blog, mas ainda sou um pouco desoganizado na minha vida virtual.

Achei bastante interessante seus textos sobre a greve da US, principalmente por ser de uma pessoa que está mais próxima dos acontecimentos.

Contrário a qualquer movimento de greve, eu limito minha participação às assembleias da minha unidade, apenas como ouvinte.

As greves da USP passam longe de se preocupar com a real condição de trabalho de nós, funcionários, principalmente quando percebo que parece ser somente entre abril e maio é que o HU, a COSEAS, o CEPEUSP e as Prefeituras (hoje Coordenadorias) têm problemas. Passado esse período, nenhum comentário. Mas os problemas continuam.

Sou usuário do Circular, do HU, almoço no bandejão e passo quase 10 horas do meu dia na cidade universitária.

E com todo respeito aos problemas mundiais, não quero receber planfeto do sindicato dizendo que as mulheres são perseguidas na Arabia Saudita. Não quero o Sindicato da USP apoiando ditadores como Hugo Chavez e Rafael Correa, ou pessoas de carater duvidoso como Evo Morales. Quero um sindicato que se preocupe com a USP, essencialmente.

Quem tiver interesse em defender qualquer outra coisa, procure locais próprios para isso.

Ademais, também não gosto quando pensam que a USP é uma instituição de caridade. Não é!

Quando o sindicato se preocupar com os problemas da Universidade e travar uma batalha de ideias talvez, quem sabe, eu possa dar um voto de confiança. Do contrário, terei que ser contra seus principais atos.

Falando tanto de direitos, mas esquecem de seus deveres, como a maioria de nós.

No mais, parabéns pelo blog. Não vejo problemas em não concordar com um coisa ou com outra. Tenha certeza que sempre apoiarei inicitivas como a sua, voltadas ao debate de ideias, sem o uso da força.

Alexandre Carvalho

Jany Canela disse...

Oi Alexandre, obrigada pela visita atenciosa :)

Concordo com você que há muitos problemas na condução e encaminhamento dos movimentos dentro da USP, mas para mim o jeito de tentar colaborar é fazendo uma participação crítica e ativa, pq acredito q para muitas transformações q queremos na universidade o movimento grevista tem sido importante.

Infelizmente, acho q faltam mais pessoas com esse perfil mais crítico ao processo, diferente de uma maioria, q tende a concordar com tudo sem questionar, pensar sobre as questões com mais profundidade e, principalmente, sem admitir que há problemas, equívocos etc.

Pense nisso! [ ]s

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