Para comemorar meu décimo texto no blog - já falei aqui antes que sou coruja - resolvi escrever algumas impressões sobre o filme uruguaio Gigante, primeiro longa do diretor argentino Adrián Biniez.
O filme é de 2009, mas assisti semana passada na Mostra Cinusp - Para Gostar de Cinema 2006 a 2009 (vale dizer, ainda em cartaz) e achei o filme excelente. Premiado pela crítica no Festival de Berlim e em Gramado com prêmios de melhor roteiro, melhor diretor e melhor ator, além de levar o troféu especial para inovação cinematográfica, é possível encontrar inúmeros comentários e artigos elogiosos ao filme e ao personagem de Horacio Camandule, o segurança Jara.
Mais homogêneos que as indicações sobre o gênero do filme, que vão da comédia à comédia romântica e ao drama - os comentários sobre o personagem Jara giram em torno de seu romantismo, contrapondo o fato de ele ser um “sujeito grandalhão” ao de ter “um coração sensível e apaixonado”.
Encontrei até um artigo que dizia, a propósito dessa contraposição, que “os brutos também amam, embora à maneira deles”.
Mas que maneira seria essa? Mais que um romântico, Jara é um sujeito íntegro, de bom caráter, sensível e bacana. E mesmo com essas características de um típico “gente boa” não deixa de ser bastante agressivo em algumas situações que exigiram - ou nas quais ele quis demonstrar - sua força e/ ou sua raiva.
Talvez Biniez nem tenha pensado nessa questão ao criar o roteiro, mas acho que foi o filme mais não machista que eu já assisti. Ainda estou tentando lembrar de outro e não consigo. Para mim essa é a grande sacada do diretor em relação à criação do personagem, com fortes características convencionalmente associadas ao feminino, tais como a sensibilidade, a doçura e o romantismo, e absolutamente convincente em sua masculinidade.
A associação desses traços em homens à afeminação não é incomum e, muitas vezes, para reforçar o rótulo de afeminado são acrescentadas palavras de mau gosto bastante machistas tais como maricas, mariquinha, mulherzinha e coisas do tipo. No caso de Gigante, acho praticamente impossível que alguém associe Jara a algum desses xingamentos, não apenas porque ele é agressivo, aliás, é um equívoco bastante comum achar que homens com traços ditos afeminados não são agressivos.
Considero que essa é outra sacada incrível do não machismo de Gigante: não me parece que a constituição do masculino de Jara esteja essencialmente marcada pela agressividade ou pela força, há momentos em que isso aparece mas não considero o ponto central que faz sua masculinidade inquestionável. Para mim isso é demonstrado na coerência dessa constituição masculina, por sinal genial do diretor, em que através de inúmeras e sutis situações ele vai nos apresentando a personagem em suas contradições.
Assim, ao mesmo tempo em que Jara está interessado em saber o desfecho do encontro de Júlia, perde o casal de vista num momento tenso do jogo do futebol, que prende sua atenção. Ao mesmo tempo em que expulsa 2 sujeitos briguentos da danceteria onde trabalha demonstra preocupação com o cara que estava sendo achincalhado pelo outro. Ao mesmo tempo em que obriga o sobrinho a seguir Júlia junto com ele depois brinca com o garoto de luta de espadas.
Essas são algumas das situações que, no meu entendimento, contribuíram para a genial constituição não machista do filme e de Jara, um sujeito que teria tudo para ser um tipo de machão, não apenas por seu tamanho e força, mas por estar vinculado a um universo de pouca polidez e delicadeza. Ao contrário disso, o diretor Adrián Biniez conseguiu transformar um cara simples, com pouco estudo e poucos recursos num Gigante.


Há muitos outros elementos que fazem com que o Gigante seja imperdível para quem gosta de filmes excelentes, desses que nos deixam arrebatados com tamanho encanto e emoção, mas reservo-me aqui o direito de deixar que vocês os descubram por si próprios.
Gigante, direção Adrián Biniez, Uruguai-Argentina-Alemanha-Espanha, 2009, 90’.
Sites consultados:
http://cinema.uol.com.br/
http://www.estadao.com.br/
http://www.tripcult.com.br/