domingo, 19 de setembro de 2010

Ê, ê, Eymael...

Imagem extraída de www.juarezbatista.com

Consultório médico dia desses. Evidentemente, havia uma TV e estava ligada. Eu entrei pensando num outro texto que estou escrevendo sobre TVs em espaços públicos, quando percebi que era horário do programa eleitoral. Tenho que confessar que não venho acompanhando muito de perto as famigeradas campanhas individuais e partidárias; outro dia conversando com alguns amigos sobre isso fui questionada sobre como escolheria meus candidatos e ponderei que minhas escolhas estão vinculadas a uma avaliação que começou muito tempo antes da campanha e que me ajuda a entender candidatos e partidos desde há muitas eleições.

Bom, mas meu objetivo aqui não é discutir qual é o melhor candidato para esse ou aquele cargo, apenas partilhar com vocês algumas coisinhas que observei naquela meia-horinha de programa e que me fizeram pensar o quanto, definitivamente, campanha eleitoral é feita sob medida para agradar a um público pouco exigente, pouco observador e, sobretudo, pouco politizado.

Campanha para mostrar propostas ou projetos de gestão de fato ou sobre o que representa votar nesse ou naquele candidato enquanto construção de políticas públicas que retornem bem estar social e econômico aos cidadãos-eleitores, sendo muito otimista, o que não é meu forte, acho que fica talvez para a próxima.

Bem, então as tais coisinhas que notei com pouco espanto e certa tristeza:

1. Expressões que partem do princípio que a escolha de um candidato pode ser feita a partir da suposta confiança que um candidato conhecido em nível nacional teoricamente inspira:
  • Eu confio no Aloysio - Serra e Alckmin
  • Eu confio na Marta - Lula, para a Suplicy
  • O meu senador - Marina, para Ricardo Young

2.  Palavras-chave utilizadas por candidatos de diferentes partidos para impressionar/ convencer o eleitor:
  • ‘Oportunidade’ - utilizada por Netinho e Alckmin
  •  ‘Para todos’ ou ‘para todas as famílias’ - utilizadas por vários candidatos, dentre eles, Marta Suplicy, Alckmin e Ricardo Young

Protagonistas do fime Hair.
3. Expressões que parecem ressurgidas dos idos dos anos 60, quando o movimento hippie estava em alta, questionando a ordem social, moral e familiar vigente:

  • ‘Vamos defender os valores da família’ - Aloysio Nunes e sua suplente no senado, Marta, que não é a Suplicy

4. Frases de efeito:

  •  ‘Vamos investir com coragem na segurança pública’ - Senador do Maluf (nem vale a pena saber o nome)

 5. Termos bola da vez utilizados para impressionar eleitores específicos: 
  • ‘cidade justa e sustentável’ - termo ecologicamente correto utilizado por Ricardo Young

 6. Frases que parecem pressupor que o eleitor é imbecil:

  •  ‘Talvez você não se lembre dele no governo Alckmin. É porque ele estava trabalhando’ - sobre Aloysio Nunes

 7. Musiquinhas de campanha que ajudam o eleitor a associar o candidato à sua profissão original:
  • ‘Vai ficar legal, com Netinho no Senado vai ficar o maior astral’ - em ritmo de pagode
  • E também em ritmo de pagode ‘Eu quero ter, eu quero ter Netinho no Senado trabalhando por você’
  • ‘Netinho vai mudar a cara do Senado’, completa o Presidente Lula.

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A partir de algumas dessas expressões fiquei eu pensando se os eleitores tivessem a oportunidade de perguntar aos candidatos o que significa exatamente cada uma dessas palavras e expressões se eles saberiam responder e, principalmente, se já teriam em mente o que seria necessário, concretamente, para torná-las realidade.

Por exemplo, o que seria necessário para que São Paulo fosse uma ‘cidade justa e sustentável’? Só a sustentabilidade já implicaria, no meu entendimento, um montante incontável de ações; fico imaginando o que seria necessário para efetivar a justiça, conceito quase abstrato no mundo contemporâneo.

Para além das expressões mirabolantes, há expressões que soam, nas entrelinhas, excessivo conservadorismo que me arrepia. Por exemplo, quando se diz ‘vamos defender os valores da família’, fico imaginando de que valores e de que família estamos falando, afinal, na minha ingenuidade, pensava que tínhamos superado o modelo papai e mamãe casados no religioso com filhos nascidos no pós-casamento - ainda que feitos antes dele. Temo por pessoas como eu, solteira convicta com meus dois filhos, que talvez não sejamos considerados família para esse padrão de valores e, evidentemente, temo ainda mais por todos aqueles que amam parceiros/companheiros e parceiras/companheiras do mesmo sexo e que lutam por constituir suas famílias conquistando os mesmos direitos instituídos às famílias aceitas nesse padrão tradicional e conservador.
 
Imagem extraída de www.jabacomjerimumrn.blogspot.com
Outra expressão que me parece esconder a violência de forma sutil, tão ao gosto das classes médias conservadoras receosas de que sejam desnudadas em seu desgosto perante a pobreza e a marginalidade, é a tal ‘vamos investir com coragem na segurança pública’. Fico imaginando, não sem calafrios, o que seria investir com coragem? Talvez coragem para extirpar de vez uma parte dos chamados marginais, promovendo a sensação de falsa e cômoda segurança às classes médias e, ao mesmo tempo, mostrando quem está no comando, como à época do governo Fleury no Carandiru e da Candelária, no Rio.

Considerando qual setor da sociedade representa o mentor de tal frase esse tipo de ação não seria uma surpresa, afinal, sua campanha proclama o que seria de São Paulo sem a Imigrantes, sem o Túnel Airton Senna e mais um tanto de obras de grande porte, ou seja, educação, moradia, transporte público para quê?, se podemos garantir uma infra para a cidade enquanto uma São Paulo com alto fluxo de circulação de produtos e de pessoas?

O interessante é que não aparece nada nesse sentido durante a propaganda do sujeito (exceto Leve Leite e Cingapura, mas convenhamos, isso não é referência para projeto social decente...); entretanto, depois aparece como proposta de campanha que o sujeito vai fazer grandes projetos sociais. Novamente, fico imaginando se algum eleitor bem-intencionado tivesse oportunidade de perguntar quais se ele já teria algo em mente para responder.
Imagem extraída de www.ressacamoral.com

O fato é que talvez essas sejam mesmo coisinhas diante de tantas outras questões que estão na boca do povo e circulando pela internet sobre o que chamo de candidatos celebridades, sobre a candidatura de sujeitos corruptos e outras questões que me fazem pensar sobre quais seriam as razões que explicariam esse estado da política no Brasil.

Quando eu era criança lembro de, junto com meus amigos na escola, ficarmos cantando musiquinhas como a ‘Ei, ei, Eymael, um democrata cristão’, sem nunca termos nos questionado sobre o que seria um democrata cristão ou ainda ‘Juntos chegaremos lá, fé no Brasil, com AFIF juntos chegaremos lá’ sem também não nos perguntarmos o que representava ter fé no Brasil ou o que seria chegar lá. Hoje, vendo a campanha política atual e as dos últimos anos, tenho pensado duas coisas: 1) pelo menos a gente era criança e 2) a gente era feliz e não sabia.

4 comentários:

Rafa Araújo disse...

Só para aumentar um pouquinho o seu desânimo frente a estas "coisinhas" das eleições brasileiras 2010, seguem alguns dados sobre os candidatos que possuem maior porcentagem das intenções de voto segundo alguns institutos de pesquisa.

Cargo de Deputado Federal em São Paulo:
1° lugar: Tiririca (PR) "Pior que tá num fica, vote Tiririca".
2° lugar: Márcio França (PSB) "Nosso voto, nossa voz"
3° lugar: Paulo Maluf (PP) dispensa apresentações ou frases...

Cargo de Senador em São Paulo:
1° lugar: Marta Suplicy (PT) "Marta no Senado. São Paulo mais forte"
2° lugar: Netinho (Pc do B) "Vai ficar legal, com Netinho no Senado vai ficar o maior astral"
3° lugar: Aloysio Nunes (PSDB) "Eu confio no Aloysio"

Assisti recentemente aos filmes "Ben Hur" e "Gladiador". Comparei algumas semelhanças entre artimanhas políticas daquela época com as da atualidade. Notei que a política do "pão e circo" mudou apenas de roupagem de uns 20 séculos para cá, sendo que a incompetência e a cara-de-pau dos políticos e candidatos aos cargos atuais são exatamente as mesmas (e até piores) em relação aos antigos romanos.

Jany Canela disse...

Pois é Rafa, hoje mesmo saiu uma reportagem no jornal Metro sobre isso

https://mail.google.com/mail/?ui=2&ik=958568570c&view=att&th=12b2f01e63abd3bc&attid=0.1&disp=inline&zw

Observando esses dados, acho q temos problemas de 2 ordens no Brasil, a primeira é esse tipo de gente (corrupta, sem proposta, 'celebridades'...) conseguir se candidatar e a segunda, talvez mais grave, é haver (tantas) pessoas que votam neles.

Digo mais grave pq, considerando o q vc disse sobre a não mudança da atitude ética dos políticos ao longo de séculos ou, como disse um amigo agora há pouco, que não tem mais esperança pq tanto faz quem está no poder no Brasil pq as coisas não mudam, acho q a grande questão é que NÓS (eleitores, povo) é que precisamos mudar...

Jany Canela disse...

Contribuição interessante ao tema, sugerido por um de nossos leitores:

http://eleicoes.uol.com.br/2010/ultimas-noticias/multi/?hashId=uol-revela-manual-que-politicos-usam-para-encarar-os-debates-04021B3372D49973C6&mediaId=6735936

Anônimo disse...

Concordo com o amigo do Rafa, inclusive isto me remete a uma música do Michael Jackson "Man in the mirror(O homem no espelho)",
em cujo refrão assim declara:

"Se você quiser fazer do mundo um lugar melhor, então olhe para si mesmo e começe a fazer esta mundança por aí "
Carlos Alberto Bessa

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