quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Oração e egoísmo não combinam

Imagem extraída de http://www.alienado.net/
Desde criança frases de caminhão sempre foram objeto de minha curiosidade e interesse.

São inúmeras as categorias possíveis para agrupar os variados tipos de frases mas, por diferentes razões,  as que mais me marcaram foram aquelas de conteúdo religioso: “Segura na mão de Deus e vai”; ou que remetiam à sabedoria popular: “Vote nas putas porque nos filhos delas não deu certo”; as que buscam afirmar a heterossexualidade do mensageiro:  “Enquanto eu não encontro a mulher certa me divirto com as erradas”, ou ainda aquelas de gosto duvidoso: “Perigo não é um cavalo na pista, é um burro na direção”.

Bem, assim como os motoristas da estrada, os motoristas urbanos também costumam manifestar-se através de imagens e mensagens as mais variadas, que vão desde adesivos de desenhos animados, ícones cinematográficos e dos quadrinhos, frases politicamente corretas no cenário ecológico ou radicais daqueles que praticam esportes de aventura ou mesmo através de frases comuns ao cotidiano do trânsito, tais como “Bebê a Bordo” ou “Cuidado! Eu freio para animais”. Há ainda as que remetem a determinados universos culturais tais como “É nóis” ou, novamente, à sabedoria popular: “Deus deu a vida para que cada um cuide da sua”.

Imagem extraída de www.bloogle-motorizado.blogspot.com
Nada demais até aqui, mesmo as frases escritas com esse português torto não me incomodam, acho que elas expressam a voz de determinados grupos sociais.

Contudo, sempre me incomodo um pouco quando vejo adesivos que me levam a pensar na incoerência humana. São muito comuns os adesivos com a silhueta da Nossa Senhora juntamente com um terço. Mas junto com essa imagem não é incomum vir um motorista fazendo trapalhadas no trânsito como as que já falei aqui anteriormente.

Sim, sim, eu sei que vocês podem achar que estou confundindo as coisas e que, evidentemente, não é porque uma pessoa professa uma crença que está isenta de errar (muito, se me permitem). Assim fosse, não teríamos, historicamente e atualmente,  tantos casos escandalosos envolvendo figuras e instituições religiosas das mais variadas ordens.

Mas vejam, apesar de todos esses escândalos, não acredito que devamos perder de vista que entre errar e abusar do erro tem uma certa distância. E o que presencio muitas vezes são pessoas extremamente desrespeitosas em relação ao outro, não raro colocando a vida de outras pessoas e a deles própria em risco por conta de atitudes no trânsito como as já comentadas neste espaço.

Pode ser ingenuidade de minha parte, mas sempre pensei que pelo menos aquela máxima de amar ao próximo (com todas as implicações que isso tem) quem segue o cristianismo deveria praticar. Me parece um pouco queimar o filme de Jesus ficar por aí com um símbolo cristão no carro e agir assim, com esse desrespeito acintoso aos outros.

Imagem extraída de http://www.emule.com.br/
E por falar em cristianismo, essa semana notei um adesivo novo circulando nos carros na capital paulista. Eu já havia observado antes um ou outro desses adesivos, sem frase alguma ou com alguma coisa referente a formar uma família ou algo assim. Contudo, no carro que vi esses dias estava escrito junto à imagem “Deus proteja minha família”. (grifo meu).

Fiquei um tanto quanto indignada pensando se as outras famílias não merecem ser protegidas também. Imagino que se não for considerado família - então! - nem se fala.

Ora, vocês podem me dizer que aquela família naquele carro estava orando para si, assim como cada família e pessoa pode fazer o mesmo, ficando então todas as famílias e pessoas protegidas. É uma lógica que parece ter sentido, mas será que fazer uma oração é isso?, pedir egoisticamente algo para si e/ou para os seus e ignorar todos os outros?! E aquela essência de todas as filosofias espirituais e espiritualistas  e religiões, independente de credo ou origem, que indicam que a oração deve ser feita mais para agradecer do que pedir ou que a essência da oração deve ser altruísta e não egoísta?!

O interessante é que nenhum desses questionamentos parece mesmo ser objeto de reflexão da maior parte das pessoas, cristãs ou não, que compõem essa sociedade individualista e materialista em que vivemos. Chamou minha atenção, por exemplo, um texto que encontrei quando pesquisava imagens para este post e que versava sobre o perigo desses adesivos porque, tecnicamente, "entregam de bandeja uma família aos sequestradores" já que, segundo a autora, os seqüestradores não precisariam mais ficar vigiando para descobrir se aquela família tem filho ou filha.

Imagem extraída do site
 www.produto.mercadolivre.com
Bom, achei a idéia um pouco exagerada quando penso que a depender do tipo de seqüestro seus executores precisariam de muito mais informações do que um simples adesivo pode oferecer, mas enfim, não sou expert em seqüestros e sempre acho que muitos metropolitanos sofrem um tanto desse excesso de medo comum a quem mora em grandes centros urbanos, justificando a máxima de que todo cuidado é pouco. De qualquer forma, a meu ver isso demonstra em certa medida que o tipo de preocupação presente no cotidiano das classes médias está longe de ser a maneira como fazem suas preces ou se as mesmas estão de acordo com os preceitos gerais orientados pela matriz religiosa a que pertencem.

O fato é que, ou eu estou muito fora da realidade ou Jesus deve estar achando que não conseguiu ensinar nem o básico para muitos dos que se dizem cristãos, porque me parece que oração e egoísmo são coisas que não combinam.

7 comentários:

Carlos Bessa disse...

Na verdade Jesus Cristo não é isto que se pinta Dele. A verdadeira descrição Dele é feita pelo profeta Isaías com a qual eu me identifico muito e que foi um dos motivos da minha conversão que entre outras coisas assim O descreve;
"(...)Não tinha boa aparência e nem formosura e só de olharmos para a sua face, nenhum prazer víamos para que o desejássemos, homem de dores e experimentado nos trabalhos e que sabe o que é padecer (...)"
Por isso Ele diz que quando visitamos um presidiário desconhecido, um doente desconhecido num leito hospitalar, ou pagamos um lanche para um(a) morador(a)de rua; é como se estivéssemos fazendo para Ele
Carlos Alberto Bessa

Jany Canela disse...

Carlos, acho q há alguns equívocos no seu comentário mas decidi, ao invés de simplesmente não publicá-lo, explicitar algumas coisas que penso.

Veja, a proposta do meu texto é discutir distorções na forma como preceitos amplos do ensinamento (oração versus egoísmo/altruísmo), não apenas no cristianismo, são apreendidos pelo sujeito contemporâneo que crê e manifesta sua crença/ oração e tentar relacionar essa questão às preocupações vividas por nossa sociedade materialista, consumista e individualista.

A essência do seu comentário me soa muito mais uma afirmação de sua fé, que respeito evidentemente, do que uma extensão da discussão proposta pelo texto.

Devo dizer que sou a favor da pluralidade religiosa e das inúmeras manifestações de crenças em Deus que há no Brasil e no mundo.

Assim, ressalto que este blog não é o espaço adequado para fazer 'propaganda' de Jesus e das razões pelas quais você se converteu ao cristianismo. Tenho certeza de que há inúmeros outros locais em que você poderá fazê-lo de forma muito mais apropriada a seus fins.

Ademais, não sou uma expert no ensinamento bíblico mas do pouco que conheço acho que quando Jesus diz que 'ao ajudarmos um desconhecido que bate a nossa porta ou um mendigo é como se o estivéssemos ajudando a Ele próprio', não é nesse sentido de parecença que você fala, mas é muito mais no sentido de que Ele está em cada um, aquela idéia de que Deus habita o homem e tal.

Enfim, seja sempre bem-vindo a este blog, mas por favor, tenha em mente a idéia de pluralidade e diversidade aqui professada além dos objetivos propostos nas temáticas e discussões.

Abraços, Jany

Rafa Araújo disse...

Excelente post, Jany!

Tenho imenso prazer em ler seus textos, que estão cada vez melhores. Me divirto cada dia mais com a maneira ácida (ou salgada?) e inteligente como você escreve, mas sem perder a originalidade e o bom humor (talvez o riso que você provoca em seu leitor seja involuntário de sua parte).

Vejo com orgulho uma notável evolução no seu blog, especialmente nesta postagem aqui. Quero destacar as excelentes fotos, a boa introdução do post, os hipertextos e pesquisas sobre o assunto que fez, as referências a suas próprias postagens antigas (você já é uma referência em seus próprios textos!) e a ótima frase final. Gostei da maneira como você tratou de um assunto curioso, e ao mesmo tempo tão delicado, com sutileza, pluralidade e consciência, mas sem perder sua impressão pessoal. Suas colocações e pontos de vista me levaram a refletir sobre coisas interessantes e que talvez nunca antes me chamaram a devida atenção. É incrível como consegue interligar assuntos que aparentemente não costumam ser associados, como fez aqui, ao tratar de religiosidade manifestada nos veículos e atitudes genuinamente cristãs.

Parabéns por esta bela reflexão!!!

Jany Canela disse...

Nossa, Rafa, acho q nem preciso dizer o quanto seu comentário me deixou feliz =) , não apenas pq fiquei "me achando" ahahahah (brincadeira!) mas pq é sempre uma honra receber observações tão cuidadosas e refletidas, ainda mais de um leitor admirável ;)

Tenho que segredar q, na verdade, eu já estava achando q este texto "não tinha nada a ver", visto q não temos recebido mais muitas visitas por aqui.

Mas seu comentário me fez refletir sobre o q me inspirou a fazer este blog e retomar a idéia de q nem sempre a profundidade e complexidade expressa em textos e discussões atrai quantidade de leitores.

De fato, acho q quem passa por aqui e decide se debruçar é um leitor de mais qualidade, mas como sabemos q qualidade não é algo q se encontra por aí às baciadas, vou continuar na mesma perspectiva q tem me inspirado sem me preocupar tanto com os dados, afinal, quem precisa de muitos leitores quando os poucos q tenho são tão interessantes observadores?! eheheheh

beijos, Jany

Dionísio disse...

eu, particularmente, sempre me distraio com essas mensagens, o que só não é um problema porque eu não dirijo.

imagine a seguinte mensagem: "Cuidado, a leitura de mensagens como esta enquanto se dirige pode causar... exatamente, acidentes como este."

Jany Canela disse...

Oi Dio, bem chapliana essa sua frase :) - acho q é a inspiração do momento atual q estamos vivendo no GTP-Vermelho, né?

Ainda bem q, apesar de desastradamente chapliana em alguns momentos, no trânsito dou conta de observar certas coisas sem interferir na segurança geral da nação ;)

Seja sempre bem-vindo por aqui. bjs

Jany Canela disse...

Como eu disse há meses:

http://noticias.bol.uol.com.br/entretenimento/2011/06/02/adesivos-de-familia-em-carros-sao-inofensivos-diz-pm.jhtm

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